Fonotipia

Vou postar aqui comentários de CDs e DVDs musicais. Luís Antônio Giron

Friday, July 01, 2005

Beatles sobem no telhado



A mina dos Beatles parece inesgotável. O quarteto britânico encerrou dez anos de atividades em 10 de abril de 1970 e, desde então, seus registros têm rendido compilações e edições de inéditos. O sonho da reunião do grupo se encerrou com o assassinato de John Lennon em 1980. Mesmo assim, há quem trabalhe para uma reconciliação no além-túmulo. E esta só pode acontecer por meio da tecnologia. O método de ressurreição se baseia no remix na remasterização. Quando tudo indicava que dos Beatles nada mais sairia está sendo lançado mundialmente, nesta segunda 17, o álbum Let It Be... Naked. Como informa o título, trata-se de uma versão despojada do LP Let It Be, o mais problemático item da discografia dos Fab Four. O resultado do trabalho do trio de produtores – Allan Rouse, Guy Massey e Paul Hicks - é incrível porque os Beatles soam, ao fim de carreira, como aquela banda de rock’n’roll de Liverpool, que tocava bem e possuía cançonistas inventivos, apesar de não ser dotada de lances experimentais. Estes ficavam por conta dos produtores. Algumas das mais conhecidas canções Lennon & McCartney e de George Harrison voltam à vida nuas, cruas e inesperadas.

Os Beatles tocavam com entusiasmo e energia, mesmo nos dois últimos anos, quando os velhos amigos começaram a discutir por qualquer motivo, na frente de diretores, produtores e das namoradas, que grudavam em cada um deles como carrapatos e acompanhavam as gravações. A história de Let It Be começa em tal conturbação. Em janeiro de 1969, os quatro não tocavam ao vivo havia três anos e resolveram voltar às bases. O projeto ganhou o título de Get Back. Paul sugeriu que ensaiassem em local isolado, um transatlântico, para montar o show para assinalar o retorno, dali a um mês, num teatro na Grécia ou em Marrakesch. Os ensaios, discussões e improvisos seriam filmados por câmeras móveis para resultar num documentário.

Acompanhados pelo diretor Michael Lindsay-Hogg e o produtor George Martin, todos acabaram indo para os estúdios Twickenham, perto de Londres, um galpão gelado e desconfortável. O inverno revelou-se rigoroso, e a atmosfera psicológica, ainda pior. "Senti que a banda estava acabada", disse Martin. Todos brigavam. Paul, imbuído na sobrevivência da banda, mandava até nos solos de George. Ringo foi embora. E as câmeras rodavam. Em uma reunião de emergência na casa de Ringo, optaram por terminar as músicas no estúdio Abbey Road em Saville Row, no West End londrino. O humor melhorou, até porque tiveram de se portar bem diante do músico convidado, o tecladista Billy Preston. Como não havia teatro disponível em Londres, subiram no telhado do prédio para filmar e gravar as músicas ao vivo e sem aviso. Isso aconteceu num meio-dia ventoso e gelado de 30 de janeiro de 1969. Ao longo de 42 minutos, os Beatles e Preston tocaram a todo volume nove músicas de Get Back. O trânsito parou, pedestres olhavam para o alto atordoados e os telhados vizinhos se encheram de gente, até que a polícia mandou baixar o som. Naturalmente, ela não foi atendida. Aquela foi a última aparição ao vivo dos Beatles. Dela resultou Let It Be, documentário e LP.

O filme caiu no esquecimento, mas o disco acabou sendo no último lançamento da banda, embora tenha sido seu penúltimo trabalho - em seguida, faria o ótimo Abbey Road, lançado em setembro daquele ano. Os Beatles passaram em março o material para o engenheiro Glyn Johns para que montasse um álbum. O técnico ofereceu duas versões, mas os músicos refugaram ambas. Por fim, em março de 1970, o produtor Phil Spector foi convidado a remixar o material, sem a presença da banda. Spector amava o overdub, a reverberação e o eco; acrescentou coro, orquestra e solos de guitarra. Concluiu o serviço em oito dias. Pouco depois, em 10 de abril, os Beatles romperam. O álbum ganhou o nome de Let it Be e foi lançado em maio. Era uma trilha sonora com direito até a ruído da ventania. O álbum conforme o gosto dos Beatles ficou na vontade.

Let It Be... Naked foi pensado num encontro casual de Paul com Lindsay-Hogg. Eles encomendaram à Apple a reelaboração dos 33 rolos de fita de Let It Be. Além de eliminar diálogos e quase os vestígios de Spector, o trio de remixers mudou a ordem das músicas e limou duas faixas: "Dig It" e ‘Maggie Mae". No lugar, introduziram uma versão rara de "Don’t Let me Down". Retrabalharam "Let It Be", ressaltando o órgão de Preston e reintroduzindo um solo básico de George. Trataram de extirpar a versão de "The Long and Winding Road" com orquestra e coro para substituí-la pela versão do show no telhado. E mantiveram o arranjo de "I Me Mine" porque faltava na gravação original a base harmônica. O resultado é meia hora de Beatles "desmixados" e remixados (acompanha um CD bônus com 20 minutos de ensaios e conversas da banda, com direito a covers de rocks de Buddy Holly). Sem ecos, ruídos e reverberações, as 11 músicas daquele que teria sido Get Back soam mais enxutas e modernas. A ausência de Phil Spector preencheu uma lacuna histórica. Ouvimos os Beatles subirem de novo no telhado e soarem, nas palavras de Paul, como uma "grande bandinha de rock". Talvez a maior delas.

Luís Antônio Giron

1 Comments:

Blogger ADEMAR AMANCIO said...

Que história!

8:34 AM  

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