Elis &Tom: o samba elétrico
O LP Elis & Tom, de 1974, faz jus ao título de marco da música popular moderna. Além de ter promovido o encontro único entre dois gênios de duas gerações diferentes – a cantora Elis Regina, então com 27 anos, e o compositor Antônio Carlos Jobim, vinte anos mais velho –, o produto trazia uma fórmula sonora inusitada: a bossa nova transposta a novos ritmos e harmonias e a um ambiente eletro-acústico, com a inclusão de baixo, teclado e guitarra elétricas à fórmula do conjunto tradicional alicerçado no piano. A "cozinha" sonora, a cargo do quarteto do pianista e arranjador César Camargo Mariano, então casado com a cantora, e das cordas regidas por Bill Hitchcock, permaneceu toldada durante 30 anos. Ela pode ser ouvida agora em todo o esplendor de novidade no relançamento do disco em embalagem que contém um CD e um DVD-Audio.
Nos dois suportes, o produto original experimentou um revelador processo de remixagem e digitalização. Ele tornou mais nítido o som dos outros músicos. As 14 músicas primitivas vêm acompanhadas de pequenas jam sessions ao final das, ruídos, contagem de compassos e diálogos. Antes de iniciar "Inútil Paisagem", por exemplo, Elis fala num dos três microfones que tinha à disposição (era muito inquieta e se mexia o tempo todo). Ao falar, Elis tinha a voz mais grave: "César, eu já fumei um maço de cigarro, pode?". Mariano responde: "Não pode, não." Tom intercede: "Diz a ela que ela já está crescida, pode fumar à vontade. Eu te dei a piteira, com a piteira filtra tudo." "Mas fica pernóstico", ironiza Elis.. Tom: "Eu só pego ar das montanhas". "Com piteira fica pernóstico", insiste a cantora, que esboça duas vezes "mas", Tom conta "um, dois, três" para finalmente atacarem a melodia cromática com perfeição: "Mas pra que...", ao passo que o piano desenha um contraponto com harmonias de blues. Assim, as músicas sofreram aumento de duração. "Inútil Paisagem" original durava 3 minutos e 11 segundos. Na versão nova, tem 29 segundos de acréscimo. "Só Tinha de Ser com Você", com 3 minutos e 50 no LP, agora aparece com um fade out de 18 segundos, com Elis brincando com a voz, acompanhada por Mariano (piano elétrico), Hélio Delmiro (violão, guitarra), Luizão Maia (baixo) e Paulinho Braga (bateria).
No DVD-A, comparecem duas faixas bônus: "Bonita" e um take alternativo para "Fotografia". Elis descartou a primeira porque tinha vergonha de cantar em inglês para o público brasileiro e não gostava do próprio sotaque – apesar dos protestos da equipe técnica americana (o disco foi gravado nos estúdios da MGM em Los Angeles), de Jobim e do produtor Aloysio de Oliveira. Não só Elis tem bom inglês, como a interpretação é mesmo intensa. O take de "Fotografia" dura 4 minutos e conta com a participação de Tom ao violão e à guitarra, era uma versão possível, mas o conjunto optou pela que estavam tocando em shows havia quatro anos.
O trabalho de restauro da master durou um ano e só foi possível com um investimento de 400 mil reais e um acordo entre as gravadoras. Trama e a Universal, detentora dos direitos da Philips. A tiragem inicial de 20 mil cópias está se esgotando.
Elis & Tom dispensaria a "sujeira" de estúdio. Mas ela fornece dramaticidade ao registro. O disco deve ser entendido como uma operação amorosa. Ela partiu de Mariano e de João Marcello Bôscoli, 33 anos, filho mais velho de Elis, sócio da Trama. "Foi uma emoção muito grande ouvir a fita do disco 30 anos depois", conta Mariano, de 60 anos. "Encontrei coisas que eu julgava perdidas." O ouvinte também vai redescobrir a música brasileira em um de seus produtos mais delicados.
1 Comments:
Li a crítica na revista ''Época''.
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