Fonotipia

Vou postar aqui comentários de CDs e DVDs musicais. Luís Antônio Giron

Thursday, October 22, 2009

O Moinho é um mundo... de sons

A música popular brasileira já mostrou ao mundo a que veio – e não há segredo para o sucesso. O que empolga nos vários subgêneros da MPB é a mistura multicultural, a fábrica de sons tão delicados como inusitados e desprovidos de preconceito. Estas lições simples e óbvias são a base para o trabalho do trio Moinho em seu álbum de estréia, Hoje de Noite (EMI). Trata-se de uma explosão inventiva que veio para marcar o ano.
O grupo é um projeto que pode lembrar Os Tribalistas: a reunião de figuras heterogêneas para uma sessão de inventividade inusitada. A idéia começou com a cantora Emanuelle Araúijo. Vocalista por longos anos da Banda Eva, Emanuelle convidou a amiga Lan Lan, baterista e pareceira de Nando Reis e Cassia Eller, para se apresentarem em shows. As reuniões despretensiosas levaram as duas a se unir ao guitarrista Toni Costa, experiente músico que gravou e se apresentou com Gal Costa, Moraes Moreira e Caetano Veloso, entre outros. O clima solto dos encontros alimentou o desejo de montar o grupo (batizado a princípio de Moinho Baiano, inspirado no samba-canção “O mundo é um moinho”, de Cartola) e fazer disco e show.
O primeiro resultado está nas doze faixas do disco, uma coleção de sambas que festejam o encontro entre Salvador e Rio de Janeiro, Pelourinho e Lapa. Os arranjos eletro-acústicos são dos produtores por Kassin e Berna Ceppas e os de meta, a cargo de Felipe Pinaud, conhecido por sua atuação na Orquestra Imperial. Há composições dos integrantes do grupo, como a que dá título ao trabalho. Destacam-se o ótimo axé´”Esnoba”, de Márcio Mello, o samba-afro “Xangô”, de Mart’nália, Toni e Lan Lan, e a canção pop “Doida de Varrer”, de Ana Carolina, sobre um poema de Chacal. .
A atmosfera lembra uma festa em ritmo de umbigada eletrônica. Não existe preconceito com o novo e o velho. Emanuelle enfrenta canções angigas, como “Baleia da Sé”, de Riachão, “O Vento e o Moinho”, de Moraes Moreira, e “Saudade da Bahia”, de Dorival Caymmi.
Moinho pode soar como a resposta evolutiva à plataforma dos Tribalistas. Emanuelle canta com segurança e afinação e a agitação rítmica de Lan Lan se casa maravilhosamente bem com as guitarras de Toni. Se alguém duvida da existência de uma nova geração talentosa na música popular brasileira, eis aí um exemplo de som contemporâneo experimental e eufórico. Tomara que Moinho chegue a um sucesso pelo menor parecido ao conquistado pelos Tribalistas.


My Blueberry Nights, Trilha Sonora de Ry Cooder, EMI
O diretor chinês Won Kar-ai costuma rechear seus dramas líricos com música inusitada. Seu gosto pelo variado Kitsche é notório, em especial nos filmes ambientados em suas cidade natal, Hong Kong. No caso de Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights), o cenário se desloca para os Estados Unidos. O guitarrista e compositor Ry Cooder se encarrega de escolher o repertório Combinoou canções da América profunda e hits. Não poderia faltar a voz de Norah Jones, a protagonista do filme. Presentes também o jazz de Cassandra Wilson e o pop inteectual de Cat Power - que, aliás, faz uma ponta no filme.


Inclassificáveis, Ney Matogrosso, EMI
O cantor Ney Matogrosso fez uma série de shows pelo Brasil com repertório de autores contemporâneos, conhecidos e nem tantos. O resultado da turnê não foi um disco ao vivo, mas uma gravação em estúdio, com o repertório consolidado de 16 músicas. Ney volta a interpretar o amigo Cazuza (“O tempo não pára”), aborda uma canção menos conhecida de Edu Lobo e Chico Buarque (“Ode aos ratos”) e traz à tona canções pouco raras, como a que dá nome ao disco, de Arnaldo Antunes. O arranjador é Emilio Carrera, que aposta na tecladeira para ressaltar a voz aguda do grande intérprete.


Shine a Light, Rolling Stones, Universal
O “rockumentário” dirigido por Martin Scorsese teve a meta de captar uma turnê da banda inglesa Rolling Stones, no palco e nos bastidores. O diretor é tão fanático pela banda, que sempre inclui uma faixa dos Stones em suas t rilhas sonoras. Aqui é diferente: um banho de rock básico, com direito a falas de Scorsese. Entre os clássicos do quarteto, figuram “Jumpin’ Jack Flash”, “Start me up” e “Sympahty for the devil”. E há espaço ainda para canções menos conhecidas, como “Little T&A” e “Live with me”. Nesta última, o vocalista Mick Jagger divide a cena com Christina Aguillera.

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Gustavo Dudamel, o maestro maior

Se alguém tem de ser responsabilizado pela aparição de um dos maiores maestros do mundo na Venezuela do século XXI, a culpa é do sistema. Ou melhor “El Sistema”, como é conhecida a política de educação de jovens musicos que existe nas Venezuela desde os anos 70. Estudando no Sistema, o menino Gustavo Dudamel (nascido em Barquisimeto em 26 de janeiro de 1981) se tornou o maestro mais celebrado da atualidade. E não é exagero. Dudamel iniciou este ano a temporada de concertos da Orquestra Filarmônica de Los Angeles, como diretor artístico, além de acumular os cargos de diretor da Orquestra Sinfõnica de Gothenbug, na Suécia, e da Orquestra Jovem Sinfônica Simón Bolíver de Caracas – cargo que ocupa há dez anos. Foi na orquestra bolivariana que Dudamel fez sua glória – e foi contratado com exclusividade para o selo mais prestigioso da música erudita, o alemão Deutsche Grammophon.
Tchaikovsky: Symphony nº 5 in E minor, com Dudamel à frente da Simon Bolívar, acaba de sair no mercado brasileiro. É o sexto álbum do maestro para a DG, o quarto com a Simon Bolívar. Destes discos se destacam o das Sinfonias 5 e 7 de Beethoven e da Sinfonia nº 5 de Gustav Mahler. Os outros dois discos trazem a Sinfonia fantástica de Hector Berlioz e o Concerto para orquestra, de Béla Bartók. Todos estão disponíveis para download (pago, claro, ao preço médio de 11 dólares), na Internet.
As gravações de Dudamel com a Simón Bolivar são titânicas – e a da Quinta de Tchaikovsky não foge à regra. É como se a velha Filarmônica de Berlim dos anos 40 reencarnasse naSala Simon Bolivar do Centero de Ação Social em Caracas, em gravação ao vivo em 2008 e sem erros ou ruídos esquisitos. Segundo Dudamel, a obra do compositor russo foi sua primeira paixão – e ele aprendeu a Quinta quando criança (ah, se no Brasil fosse assim...). Os quatro movimentos se estendem por 48 minutos quase sem interrupção, entre episódios dramáticos e expressivos, entre silêncios e fermatas que pareceriam eternas, não fosse o suspense imprimido ao momento. O programa se completa com a fantasia sinfônica Francesca da Rimini, op. 32, uma verdaderia sinfonia condensada em 25 minutos.
Dudamel é um maestro romântico, do efeito caudaloso e passagens bombásticas. É também o clarificador dos timbres e o renovador de um repertório dado como esclerosado. Bata comparar a sua Quinta com a de um Claudio Abbado à frente da Filarmônica de Berlim para constatar como a visão de Dudamel é mais ousada e, ao mesmo tempo, mais romântica, que a de Abbado. E atençã: é uma orquesatra sul-americana, formada a partir de uma política cultural de três décadas, que está acima das ideologias no poder. Nem um Hugo Chávez conseguiu destruir a orquestra. Viva el Sistema! Este é um CD para comprar e ouvir muitas e muitas vezes.

Saturday, October 17, 2009

O álbum que Simone devia aos fãs

Simone completa 60 anos (em dezembro) exibindo uma incrível capacidade de recuperação artística. Seu novo CD, Na Veia (Biscoito Filme), é um dos melhores da carreira de 36 anos dessa contralto grave e dramática, que pôs a voz a serviço do sucesso popular. A crítica celebrou o retorno da cantora baiana aos bons tempos em que lançava canções e conseguia emocionar. De fato, era o álbum que a intérprete devia aos seus fãs históricos. Porque a maioria a abandonou na jornada das décadas e da mudança de gosto.

No entanto, sua retomada artística vem de algum tempo. Basta prestar atenção em seus últimos trabalhos. Em 2004, ela veio com Baiana da Gema (EMI), um álbum precioso só com músicas inéditas de Ivan Lins, compositor que foi importante para ela desde o início da carreira. É dela a interpretação clássica da canção “Começar de novo”, de Ivan e Vitor Martins, que veio a se tornar seu primeiro sucesso. A composição consta de seu quinto LP, o lendário Gota D’Água (EMI-Odeon), quando tornou célebre a canção que deu nome ao disco, de Chico Buarque. Em 2008, mais uma vez Simone impressionou com o CD Amigo é Casa (Biscoito Fino), ao lado de Zélia Duncan, pois ali mostrou que era capaz de se dar bem em qualquer gênero, incluindo o rock e o pop.

Na Veia faz parte dessa zona de evolução de Simone. O disco se projeta além do mero projeto de aniversário. É uma coleção de canções inéditas (o primeiro em cinco anos) despretensiosas, românticas e... tomadas pelo pop. Tocariam no rádio, caso o rádio ainda tocasse MPB. “Eu sempre falei e cantor de amor”, diz Simone, na apresentação do CD. “Para este trabalho, liguei para todos os compositores que me enviaram canções, ou até mesmo os encontrei, e disse: é um trabalho feliz, para cima, que fala do amor em todas as suas formas, jeitos e maneiras.” Leia-se: ela está mais sincera e direta do que nunca na expressão dos sentimentos.

A voz superafinada da intéprete é uma das mais poderosas do estilo tardio da MPB. E encontrou veículos ideais na produção de Rodolfo Stroeter e nos arranjos de Nelson Ayres, Luiz Brasil e Rildo Hora. Nada de exageros, apenas um contorno suave para destacar a abordagem lírica de Simone. A canção lenta “Hóstia” (Eramos Carlos-Marcos Valle) é um dos pontos altos do disco pela suavidade da leitura. Entre os autores famosos que forneceram boas canções figuram Paulinho da Viola (“Ame”) e Martinho da Vila (“Na minha veia”). Nas reinterpretações, o destaque é “Geraldinos e Arquibaldos”, canção de protesto sub-reptício (como era moda na época) de Gonzaguinha que foi marcante nos anos 70 e estava esquecida. Simone despe a música de ideologia e lhe confere um caráter universal.