Moacir Santos, talento múltiplo
O CD Choros & Alegria traz doz faixas inéditas de um dos principais artífices da música popular brasileira
Luís Antônio Giron
Os fãs de música popular brasileira têm o hábito de fazer semprre a mesma pergunta ao mestro Moacir Santos: “Por que o senhor não volta a morar no Brasil?” Esse pernambucano que morreu em 2006 aos 81 anos, responsável por alguns dos ápices do pensamento musical brasileiro (o disco Coisas, de 1965), responde com bom humor que gosta de ser levado pelas circunstâncias. “Vou aonde a natureza me levar, não faço planos”, diz. “Nunca fiz. O único plano que fiz foi aprender a escrever música para entender minha própria maneira de compor. Conhecendo a mim mesmo, concluí que a única coisa que me restava a fazer era fazer música para a posteridade.”
Não é pequena a missão do maestro, arranjador e saxofonista, que costuma aparecer pelo Brasil como que para afirmar a sua importância. Ele esteve no Rio e em São Paulo em outubro para participar do lançamento do CD Choros & Alegria (Biscoito Fino), com 15 faixas, 12 delas inéditas, arranjadas pelo violonista Mário Adnet e o saxofonista Zé Nogueira. O projeto é a continuação do álbum duplo Ouro Negro, lançado em 2001, sob a coordenação de Adnet. Naquela ocasião, Adnet e Nogueira transcreveram “de ouvido” os arranjos do lendário LP Coisas (1965), de Moacir, que haviam se perdido, além de uma dezena músicas dos quatro discos lançados pelo maestro nos Estados Unidos: The Maestro (1971), Saudade (1973), Carnaval dos Espíritos (1975) – os três pelos selos Blue Note – e Opus 12 nº 1 (1978), pelo selo Discovery.
“Ele ficou tão animado com o projeto que começou a se lembrar de choros que havia composto quando tinha 16 anos”, conta Mário Adnet. “São esses os choros – valsas, sambas, polcas – que fazem parte do CD, ao lado daquilo que ele chama de ‘alegria’, peças mais desenvolvidas do ponto de vista jazzístico”. Coube a Adnet e Nogueira transcrever as lembranças do músico para a partitura. O trabalho, além do disco, resultou em três songbooks, intitulados Cancioneiro Moacir Santos, recém-lançado pela Jobim Music. O primeiro e o segundo volumes compreendem Coisas e Ouro Negro. O terceiro, o novo CD.
Em choros como “Vaidoso”, “Flores” e ‘Cleonix” e em episódios jazzísticos como “Rota Infinita” (com participação do trompetista Wynton Marsalis) e “Excerto nº 1”, o material não possui apenas a virtude do ineditismo. Em Choros & Alegria, ouvem-se todas as facetas de um músico que Vinicius de Moraes definiu assim no seu célebre “Samba da Bênção”, em parceria com Baden Powell: “Moacir Santos/ tu que não ´-es um só, és tantos/ como este meu Brasil de todos os santos"”
Moacir, e toda a sua bagagem musical e cultural moram há mais de 30 anos nos Estados Unidos. Lá, foi “descoberto” pelo pianista de jazz Horace Silver e viveu uma segunda carreira, ainda mais exitosa que a levada no Brasil. Mas há uma relação profunda entre o Moacir americano e o brasileiro. Nascido no sertão de pernambuco em 8 de abril de 1926, o músico conta que fez de tudo no Nordeste, até se mduar para o Rio de Janeiro em 1948. Na antiga capital, tocou em boates e foi contratado como saxofonista da Orquestra Tabajara, de Severino Araújo. A emissora de maior prestígio na época, a rádio Nacional do Rio de Janeiro, chamou-o para tocar na orquestra, então dirigida pelo maestro Radamés Gnattali. “Aprendi muito com o Radamés”, conta Moacir. “Eu era tão fanático por música que cheguei a ter aulas com cinco professores ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto – teoria musical.” Entre eles estava o compositor de vanguarda alemão Hans Joachim Koellreutter, então na crista da onda, pois trazia o debate sobre o dodecafonismo no Brasil. Moacir acabou virandos secretário de Koellreutter. Aos poucos, foi se apoderando da batuta e, já nos fins da década de 60, era um dos mais famosos maestros populares do Brasil, à frente da orquestra da rádio Nacional.
Como autor, Moacir ficou famoso com a canção “Nanã”, em parceria com o músico Mário Telles. Suas colaborações com Vinicius de Moraes renderam três músicas: “Menino Travesso”, “Triste de Quem” e “Se Você me Disser que Sim” . “Acho impressionante a música”, conta. “Ela é capaz de operar milagres. Veja Pixinguinha. Não entendo como ele conseguiu chegar a certas melodias magníficas, como a de ‘Carinhoso’. Pixinguinha é uma força da natureza. Minha ‘Nanã’ já considero eternizada pela voz de tanta gente. Estou muito feliz neste momento.”
A ocasião consolida o nome de Moacir Santos no cenário da Música Popular Brasileira. “Ele demorou a ser reconhecido”, analisa Adnet. “Se ele tivesse mostrado os choros do CD nos anos 40, a música brasileira teria seguido por um rumo inesperado.”
Moacir Santos não é de especular em torno de hipóteses. “O que eu sei é que um dia pensei em morrer para conhecer Deus. Minha mulher me convenceu do contrário e descobri a alegria de viver e fazer música. Dei minha contribuição. Quem decide é a posteridade”. Pelo jeito, a posteridade já decidiu. Moacir Santos é um dos gênios da música brasileira e universal.
1 Comments:
Concordo,Moacir Santos é gênio,adoro o LP ''Coisas''.
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