Fonotipia

Vou postar aqui comentários de CDs e DVDs musicais. Luís Antônio Giron

Tuesday, October 10, 2006

Quando a ópera era tabu em Roma

Entre os anos de 1700 e 1710, os papas proibiram a montagem e execução de óperas em Roma. O banimento da arte mais popular daqueles tempos de contra-reforma durou tempo suficiente para que os cardeais, bispos e arcebispos, em geral homens de cultura e gostos refinados, encontrassem um jeito de burlar a dura lei pontifícia. Eles trataram de encomendar a grandes compositores da época oratórios e cantatas que de sacro só tinham o nome. Por debaixo das vestes, do pálio e da mitra, o que vibrava eram as melodias do bel canto e os libretos repletos de episódios pastorais e passionais que bem poderiam figurar nos então execrandos palcos de Nápoles ou Veneza. Sob o disfarce religioso, os ouvintes romanos se esbaldavam com árias e recitativas no mínimo inebriantes para os sentidos – até porque era necessário dar função a encenadores, figurinistas e músicos. Esse é é o programa do CD Opera Prohibita (Decca/Universal), com a soprano Cecilia Bartoli e a orquestra Les Musiciens du Louvre, regida por Mark MInkowski.
Minkowski é um arqueólogo do Barroco. Sua seleção de repertório para este trabalho toca o inusitado. São 15 faixas, entre antatas e oratórios, escritor por três compositores que atuaram na Cidade Eterna naquele decênio complicado: Alessandro Scarlatti (1660-1725), George Friedrich Haendel (1685-1759) e Antonio Caldara (1670-1736). Cada qual a seu modo, eles trabalharam em prol da profanação das regras férreas da Igreja com peças dramáticas e sentimentais. Outra novidade do disco é a presença de Cecilia Bartolli, em geral mais dedicada ao período romântico. Ela não soa como uma cantora de música histórica – o que combina com a intenção do álbum: carrega na interpretação, não teme o vibrato e se expande no rubato e nos ornamentos. Talvez seja mais parecida com as cantoras daqueles tempos.
Entre as curiosidades do disco, figura a cantata Il Trionfo dell’Inocenza, de Caldara. Apresentada no palácio de um arcebispo, essa defesa da inocência coloca no palco dois personagens femininos, em constantes arrulhos amorosos. No final, o público fica sabendo que uma delas era um ermitão. Aumentava a sensualidade da trama o fato de que cantoras eram proibidas de cantar naquela época. O que significava que o namoro das duas jovens era representado por dois cantores – castrati – vestidos de mulher. A música de Caldara é suave e lírica, nunca deixando de apostar no virtuosismo e no apelo aos afetos e efeitos especiais.
A execução dos Musiciens du Louvre é rigorosamente barroco, com direito a instrumentos de época e procedimentos estilísticos do tempo: arcadas curtas nas cordas, contrastes violentos de dinâmica e dramatização do baixo-contínuo. Uma festa profana em pleno sanctum sanctorum.






You Could Have It So Much Better, Franz Ferdinand (Trama)
O quarteto escocês estourou em 2003 com um rock dançante cheio de humor e bons achados nas guitarras. O novo trabalho, gravado na ponte aérea Edimburgo-Nova York, é por assim dizer mais cerebral. As 14 faixas revezam rocks rápidos, moderados e baladas. A melhor faixa se intitula “Do you Want To”, um rock todo vazado no estilo underground dos anos 60. Em geral, o som conjuga hardcore, rockabilly e um certo sabor de rock dos anos 80, como Talking Heads. O resultado estimula. Franz Ferdinand é uma das melhores bandas da moda.


Choros & Alegria, Moacir Santos (Biscoito Fino)
Aos 79 anos, o maestro pernambucano Moacir Santos é um dos grande mitos da bossa nova. Ele foi o arranjador dos primeiros discos de Vinicius de Moraes e chefe absoluto da orquestra da Rário Nacional nos anos 50 e 60. Imigrou para os Estaos Unidos em 1970 e desde então vive lá. O disco, com arranjos e arregimentação do saxofonista Zé Meneses e do violonista Mário Adnet, traz 14 faixas, entre composições antigas e inéditas. Moacir lembrou dos choros que compôs na adolescência e os ditou aos maestros. Alegria é como ele chama as composições mais experimentais e jazzísticas. Doze músicos promovem um dos grandes álbuns intrumentais da temporada. Moacir comparece como homenageado, autor e, vez por outra, narrador.



Samba Passarinho, Peri (Baticum Discos)
O cantor e compositor baiano Péri é uma avis rara bossa-novista perdida em São Paulo. Radicado na Paulicéia há 15 anos, ele acaba de fundar sua própria gravadora e lançar um álbum precioso. Trata-se de uma aventura interpretativa pelo samba dolente e cool do conterrâneo João Gilberto. Péri possui voz e interpretação que podem remeter às de Caetano Veloso, mas há algo de original no modo como divide as canções. Um disco para ouvir várias vezes. Vale a pena comparar como ele interpreta a bela canção “Voyeur” em comparação à leitura de Gal Costa no seu novo disco.

1 Comments:

Blogger ADEMAR AMANCIO said...

Luís Antônio Giron e sua capacidade de síntese.

12:48 PM  

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