Maria Rita, encantada ou assombrada?
Minha carreira começou em 1983, um ano depois da morte de Elis Regina. Não tive a oportunidade de entrevistá-la. Passei minha infância ouvindo os discos e vendo os programas de TV da “pimentinha”. Ouvi muito Elis Regina, até enjoar. A ponto de não precisar mais escutá-la – defeito de minha impaciência e não do grande canto da intérprete.
Quando Maria Rita surgiu no horizonte musical, em 2001, com um show no Supremo em São Paulo, dois anos depois com o CD Maria Rita e agora com este Segundo, a seqüência de audições me tem soado como uma reedição de Elis. Não tem jeito, não consigo ouvir nada mais que Elis em Maria Rita, mesmo sabendo que ela é contralto e a mãe era mezzo-soprano; o repertório seja outro; e boa parte do público jovem de Maria Rita jamais ouviu uma faixa da mãe. É Elis e pronto. Em setembro, fui fazer entrevista com ela por ocasião do lançamento de Segundo. Lá estava a moça de 28 anos se submetendo a baterias de entrevistas “exclusivas”, rodeada de staffs – estes por sua vez cercados de outros staffs.
Eu disse a Maria Rita que gostei do disco, porque dessa vez a voz timbrava em contralto mais que em mezzo, e você está mais você do que Elis... Ela me interrompeu: “Você está vendo mais Elis em mim do que eu vejo, e meu público já nem pensa mais nisso!”
Mania de crítico, respondi, mas acho que Maria Rita tem razão. Por pertencer a uma geração intermediária entre ela e a mãe, por ser quarentão, tenho ouvido excessivamente miasmas de Elis em Maria Rita. Para mim, mesmo no segundo CD, ela é uma cantora assombrada pelo espectro da mãe. Mas encantada pela linda voz e a originalidade que busco a qualquer custo nas 12 faixas de Segundo como procurar Wally numa multidão de referências de Elis Regina. É inevitável perceber a escolha do repertório – ainda que sambas e canções dos supernovos Marcelo Camelo e Rodrigo Maranhão -, o acompanhamento do combo e a voz, timbrada na genética, tudo me remete à mãe. Sou eu, confesso, que estou assombrado. Não é lícito nem simpático estabelecer paralelo entre gerações tão distantes: alguém vivo de 30 anos com alguém morto que faria 60, dois tempos que não se colam senão pela DNA de mãe a filha.
Vamos deixar assim, Maria Rita cantar como se não lhe conhecêssemos a filiação. Na forçada metempsicose às avessas, esvazio a alma de qualquer citação e referências. Vamos fazer como os zen-budistas e limpar a mente. Só assim posso vir a gostar do excelente Segundo. Errado sou eu.
Luís Antônio Giron
2 Comments:
Como as pessoas e as circunstâncias são diferentes,eu sou da mesma geração do crítico e nunca ouvi Elis Regina quando criança,sequer a conhecia - E não vejo nada de Elis Regina em Maria Rita,sou fãzaço da primeira e desencantado com a segunda.
Maria Rita é mezzo-soprano também,apesar que há quem diga que a Elis era contralto,é tudo uma questão de opinião,sei lá.Demorei ouvir Elis como mezzo,via mais como soprano mesmo.
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