Ao encontro do estilo
De volta a uma grande gravadora, o cantor Pedro Mariano conta como se envolveu na produção de um CD e um DVD ao vivo
Em 1995, Pedro Camargo Mariano cantava pela primeira vez, em um show no Tuca, em São Paulo, em comemoração aos cinqüenta anos de sua mãe, a cantora Elis Regina. Pedro interpretou um sucesso da carreira de Elis, "Ladeira da Preguiça", de Gilberto Gil. Assim, sob a proteção materna, o cantor iniciava a carreira aos 20 anos, desistente da faculdade de Arquitetura. Melhor para música. Dez anos depois, ele volta à faixa inicial e festeja a trajetória lançando seu primeiro CD e DVD ao vivo, quarto título de carreira e quinto CD, contado o projeto Voz e Piano, com o pai, César Camargo Mariano, lançado em 2004. "Ladeira da Preguiça" figura na guia de rótulo dos novos produtos, em arranjo do baterista e pianista Otávio de Moraes, que também assina as outras 16 faixas no CD e as 21 do DVD Ao Vivo (Universal). O trabalho não tem apenas o sentido de comemoração e de seu retorno a uma gravadora multinacional, depois de cinco anos passados na Trama. Pedro Mariano se diz maduro e afirma que finalmente chegou à formulação de seu estilo.
"Estou em condições de assinalar exatamente de onde vim e para onde vou’, diz, entuasiasmado com os novos produtos, depois de seis meses de um trabalho que ele define como ‘enlouquecedro’. "Vim da soul music e do rhythm’n’blues, que ouvi desde pequeno. E conheço a MPB porque ela rolava nos ensaios da sala da minha casa. Sou um pouco de tudo isso, mas algo mais: quero que meu som seja compreendido como uma assinatura." Ninguém sem pergunta, argumenta, sobre o estilo de MIlton Nascimento, Ivan Lins e Djavan. "Todos são MPB, mas cada um no seu estilo. Quero ser entendido assim, não por meio de rótulos".
Pela primeira vez, Pedro se viu envolvido na produção de um DVD. "O sistema 5.1, do DVD, pede uma mixagem totalmente diferente do sistema do CD, o estérero, que chamamos de 2.0", explica. "Assim, o mesmo trabalho ganha duas sonoridades diferentes, no DVD e no CD". Em março deste ano, o cantor e Otávio de Moares já tinham escolhido o repertório e definido os arranjos. O espetáculo foi gravado e filmado nos dias 2 e 3 de abril no Teatro Alfa em São Paulo, conhecido por sua acústica privilegiada. "É tão boa que não acontecem interferências do som do público no do palco, nem de um instrumento em outro." Ele conta que a pós-produção foi mais complicada, por causa do aspecto visual e dos itens extras do DVD, como entrevistas e informações. Uma das novidades do DVD de Pedro será um item com erros. "Sou extremamente autocrítico com minha imagem e com o som", afirma. "Mas isso não impede de eu rir de mim mesmo". As falhas só reforçam o perfecionismo de Pedro. Ele não acha importante exagerar teatralmente no palco, mas evidenciar a sinceridade. "Existe uma verdade no palco que o músico precisa passar para o público. Eu quero mostrar o sentimento com toda a força. Gosto de montar as canções a pêlo".
Ao Vivo é um disco de canções interpretadas na sua integridade. Ambos os produtos evidenciam a filiação de Pedro Mariano à MPB, tanto no DNA propriamente dito como no sonoro. Claro que o jeito com que canta – e na interpretação reside a sua arte – é marcado pela soul music e o r’n’b. A mesma característica pode ser encontrada em Djavan, para citar um exemplo evidente. Mas o profundo conhecimento do cantor em relação a repertórios como o de seus pais, Ivan Lins e Rita Lee o faz diferente da corrente americana.
Para demarcar o estilo, Pedro relembra os sucessos antigos – como "Pode Ser", de Jorge Vercillo - e novidades, como a música de trabalho "Quase Amor", balada composta especialmente para ele por Vercilo, espécie de amuleto do sucesso, assim como Jair Oliveira (autor de três faixas: a já conhecida "Voz no Ouvido", bem como "Colorida e Bela" e "Memória Falha"), o compositor com quem mais se identifica. Para mostrar que é capaz de flertar com o rock, o cantor grava a inédita "Três Moedas", de Roberto Frejat e Jorge Israel, canção dançante que ele fez questão de transformar em rock. Valendo-se da mesma operação, Pedro covnerteu em salsa o rock "Saúde", de Rita Lee e Roberto de Carvalho. "Sou um intérprete que gosta de enxergar de forma diferente composições consagrdas", diz. "Rita, por exemplo, sempre tem uma levada de salsa, que a gente não nota na primeira vez. Mas você pode reparar que os ritmos latinos estão sempre rondando o rock de Rita, por influência do Roberto de Carvalho, que se nutriu no som latino".
Uma das atrações do disco é o tributo que Pedro faz a sua mãe, com canções que ela lançou, como "Como Nossos Pais", de Belchior, "É com Esse que eu Vou", de Pedro Caetano – com a inédita participação de Sandy, numa rara execução no repertório tradicional - , "Cai Dentro", de Baden Powell e Paulo César Pinheiro (participação de Luciana Mello) e a já falada "Ladeira da Preguiça".
. "Sou um conhecedor profundo do repertório de Elis", revela. "Mas procuro manter uma distância saudável. Mesmo porque não quero ter mais influência do que já tive". Ele explica que há canções que sua mãe pôs em evidência, tipo "Como Nossos Pais", não trazem a essência da cantora. Pedro guarda distância e muitas diferenças , a começar pela tessitura. Enquanto Elis era mezzo-soprano, Pedro é tenor e alcança três oitavas. "Ela cantava uma quarta aumentada acima de mim e fazia respirações e fraseados que pertenciam a ela e são inimitáveis. Eu tento dar a minha contribuição".
Ao Vivo vai resultar em shows pelo Brasil e, se tudo der certo, em turnês pela Europa e Estados Unidos. Segundo o artista, é um trabalho que sintetiza a carreira e encontra uma linguagem. "Quem quiser procurar vai encontrar. Quem quiser ouvir, vai curtir"
Viva a interpretação!
Luís Antônio Giron