Fonotipia

Vou postar aqui comentários de CDs e DVDs musicais. Luís Antônio Giron

Tuesday, October 10, 2006

A arte de Rosana Lanzelotte

Revista Diapason Nº 1 - 2006


A cravista carioca Rosana Lanzelotte realizou neste álbum com sonatas de PedroAntônio Avondano a façanha de contribuir para a ampliação de uma tradição que, até o aparecimento dessa gravação, aparentava estar inteiramente desbravada: a do clavecinismo português.
Não apenas isso. Rosana é dona de uma produção discográfica pequena e consistente, na qual busca registrar descobertas e, sobretudo, marcar estágios de seu desenvolvimento como intérprete.
O CD dedicado a Avondano assinala um salto virtuosístico na interpretação da cravista que já havia mostrado todas as suas qualificações expressivas tanto na abordagem de peças pouco executadas de Johann Sebastian Bach. Como no esforço de fazer os compositores atuais escreverem para o instrumento. Ousadia, pesquisa e expressividade ela já havia mostrado. A novidade no presente CD, além de urna descoberta fundamental, é a capacidade quase atlética de enfrentar a escritura algo complexa do músico português.
Até recentemente. sabia-se que Pedro Antônio Avondano (1714-1782) havia nascido em Lisboa, filho de Pietro Giorgio Avondano. Músico genovês atuante nas orquestras palacianas. As enciclopédias informavam sobre o seu contrato como violonista da Orquestra da Real Câmara em 1763 e o fato de haver criado uma escola de danças na rua da CNZ, destinada a ensinar especialmente o minueto, a febre dos anos 1760-1770. Compôs diversos minuetos para instrumento agudo e cravo, cantatas e óperas cômicas – A mais conhecida é Il mundo della Luna (1764), baseada na comédia homônima de Carlo Goldoni. Outro feito de Avondano foi ter fortalecido a irmandade de Santa Cecília, em 1766, que regulamentou o exercício profissional da música.
Não se tinha noção da importância de Avondano como mestre da escritura para cravo. Até a aparição deste CD. o clavecinismo português do Setecentos era representado em gravações por Joaquim de Sousa Carvalho e Carlos Seixas e pela presença na corte lusitana do cravista e compositor Domenico Scarlatti - que colaborou com o progresso técnico da execução e da escritura para o instrumento. Ainda há muito a ser descoberto na área, conforme assinala o musicólogo Rui Vieira Nery, da Universidade de Évora, que assina o texto do folheto do disco. Rosana Lanzelotte oferece um estímulo às pesquisas ao escolher sete sonatas de Avondano, a partir de manuscritos encontrados nas bibliotecas nacionais de Lisboa e Paris. Pela primeira vez, o ouvinte tem a dimensão do talento composicional de Avondano.
Gravado no National Music Museurn de Vermillion, Dakota do Sul, em 2002, o disco mostra que Avondano era senhor da técnica dos teclados e possuía a inventividade harmônica e melódica e alta erudição no encadeamento do material temático. As sonatas se enquadram no estilo rococó. O compositor usa e abusa dos ornamentos. Ao mesmo tempo, intercala às passagens virtuosísticas episódios dramáticos. Ali, emprega o cromatismo, à maneira de Seixas ou mesmo de Carl Philip Emmanuel Bach. As tonalidades são básicas (Fá, Lá, Ré, Dó, Sol), sempre armadas sobre o modo maior. O uso dos temas se revela pré-clássico;
Avondano opera pelo contraste de dinâmicas, timbres, ritmos e expressão. As peças não evoluem logicamente como algumas sonatas tardias de Scarlatti. No mestre português predominam a leveza e o exibicionismo elegante, que a intérprete trata de expandir e converter em 62 minutos de execução sutil, como se a digitação da cravista revelasse as marcas-d'agua da partitura. É um privilégio ouvir, por exemplo, os dois movimentos da Sonata em Dó Maior (Allegro-Manuete), tanto pela beleza da composição como pela arte rara de Rosana Lanzelotte.

Luis Antônlo Giron

Djavan grava ele próprio

É moda músico brasileiro fundar selos para lançar seus CDs. O cantor e compositor alagoano Djavan, 55 anos, 27 de carreira, faz um lance ainda mais ousado: ele acaba de fundar uma gravadora, a Luanda Records, e lançar o primeiro CD do catálogo: o seu próprio álbum, Vaidade, o 16º título de sua trajetória de notável misturador de ritmos e gêneros sonoros e letrista polêmico. Desta vez, o superastro não só compõe, escreve, toca, produz e arranja. “Tive de escolher a capa, contratar a assessoria de imprensa e agora estou preocupado com a distribuição do produto no Brasil e no exterior”, diz, na sua fala característica, com objetividade e rapidez que parecem não combinar com seu canto lírico. “Estou adorando desbravar um campo novo. O formato do mercado musical está se transformando por causa da pirataria e da Internet. Decidi enfrentar o desafio”.
Djavan já tinha um estúdio de última geração, O Em Casa – que, como o nome sugere, fica na casa do músico, no Recreio dos Bandeirantes, Rio – uma editora e uma banda sob seu comando, formada por seus filhos Max e João, respectivamente guitarrista e baterista, entre outros. Só faltava a infra-estrutura de gravadora. Ele conta que comprou cinco salas no prédio onde funcionava o seu escritório, no Leblon, e convidou profissionais para cuidar das vendas, centralizando as operações do país todo. Depois de um ano de trabalho, a Luanda dispõe de 24 funcionários e tem planos para alimentar o catálogo. Djavan paga tudo do próprio bolso, sem patrocínio ou sociedade. “Claro que o risco existe, O máximo que pode acontecer é não dar certo”, brinca.
Ele assume o seu romantismo natural, nos negócios e na arte. “Quero gravar músicos que não tem oportunidade. Meu negócio é música, não dinheiro.” Mesmo assim, Vaidade segue o padrão das produções das grandes gravadoras. A produção é caprichada. Djavan lança o disco em turnê nacional, a começar dia 15 em São Paulo, numa temporada de três semanas. Depois, segue para o Rio e outras capitais. Em outubro, inicia turnê internacional. “Estou me sentindo tão atrevido quanto um principiante”, jura.
O atrevimento compensou, pois Vaidade merece figurar entre os melhores discos da carreira de Djavan. A coleção habitual de melodias que se tatuam no ouvido se une a letras mais diretas metafóricas do que as converteram em marca registrada. É um belo trabalho, valorizado pelos arranjos de cordas assinados pelo próprio artista. “Já me deixei levar pelos sons quando escrevia meus versos”, reconhece. “A gente amadurece e toma juízo. Hoje dou mais atenção às letras, mas o meu jeito letra está lá.” Djavan letrista e melodista se encontra em fase inspirada. Já vão distantes os tempos de versos arrevezados como os de “Açaí”. A música de trabalho, “Se Acontecer” - na trilha da novela Senhora do Destino - é uma toada com escalas flamencas e versos como “a tenda da noite/ enche de sombra/ um sonhar vazio”. Há sambas “djavaneses”, como os belos “Celeuma” e “Bailarina”. Este traz um ótimo duelo entre a guitarra de Djavan e o cavaquinho de Hamilton de Holanda. A faixa-título é uma valsa romântica sobre a vaidade masculina. E “Tainá-flor”, como define o músico, “uma mistura de calango e maxixe”, repleta de achados rítmicos e melódicos. A música flui com naturalidade e grande harmonia. Djavan dono de gravadora é o músico na melhor das liberdades.

Moacir Santos, talento múltiplo

O CD Choros & Alegria traz doz faixas inéditas de um dos principais artífices da música popular brasileira


Luís Antônio Giron



Os fãs de música popular brasileira têm o hábito de fazer semprre a mesma pergunta ao mestro Moacir Santos: “Por que o senhor não volta a morar no Brasil?” Esse pernambucano que morreu em 2006 aos 81 anos, responsável por alguns dos ápices do pensamento musical brasileiro (o disco Coisas, de 1965), responde com bom humor que gosta de ser levado pelas circunstâncias. “Vou aonde a natureza me levar, não faço planos”, diz. “Nunca fiz. O único plano que fiz foi aprender a escrever música para entender minha própria maneira de compor. Conhecendo a mim mesmo, concluí que a única coisa que me restava a fazer era fazer música para a posteridade.”
Não é pequena a missão do maestro, arranjador e saxofonista, que costuma aparecer pelo Brasil como que para afirmar a sua importância. Ele esteve no Rio e em São Paulo em outubro para participar do lançamento do CD Choros & Alegria (Biscoito Fino), com 15 faixas, 12 delas inéditas, arranjadas pelo violonista Mário Adnet e o saxofonista Zé Nogueira. O projeto é a continuação do álbum duplo Ouro Negro, lançado em 2001, sob a coordenação de Adnet. Naquela ocasião, Adnet e Nogueira transcreveram “de ouvido” os arranjos do lendário LP Coisas (1965), de Moacir, que haviam se perdido, além de uma dezena músicas dos quatro discos lançados pelo maestro nos Estados Unidos: The Maestro (1971), Saudade (1973), Carnaval dos Espíritos (1975) – os três pelos selos Blue Note – e Opus 12 nº 1 (1978), pelo selo Discovery.
“Ele ficou tão animado com o projeto que começou a se lembrar de choros que havia composto quando tinha 16 anos”, conta Mário Adnet. “São esses os choros – valsas, sambas, polcas – que fazem parte do CD, ao lado daquilo que ele chama de ‘alegria’, peças mais desenvolvidas do ponto de vista jazzístico”. Coube a Adnet e Nogueira transcrever as lembranças do músico para a partitura. O trabalho, além do disco, resultou em três songbooks, intitulados Cancioneiro Moacir Santos, recém-lançado pela Jobim Music. O primeiro e o segundo volumes compreendem Coisas e Ouro Negro. O terceiro, o novo CD.
Em choros como “Vaidoso”, “Flores” e ‘Cleonix” e em episódios jazzísticos como “Rota Infinita” (com participação do trompetista Wynton Marsalis) e “Excerto nº 1”, o material não possui apenas a virtude do ineditismo. Em Choros & Alegria, ouvem-se todas as facetas de um músico que Vinicius de Moraes definiu assim no seu célebre “Samba da Bênção”, em parceria com Baden Powell: “Moacir Santos/ tu que não ´-es um só, és tantos/ como este meu Brasil de todos os santos"”
Moacir, e toda a sua bagagem musical e cultural moram há mais de 30 anos nos Estados Unidos. Lá, foi “descoberto” pelo pianista de jazz Horace Silver e viveu uma segunda carreira, ainda mais exitosa que a levada no Brasil. Mas há uma relação profunda entre o Moacir americano e o brasileiro. Nascido no sertão de pernambuco em 8 de abril de 1926, o músico conta que fez de tudo no Nordeste, até se mduar para o Rio de Janeiro em 1948. Na antiga capital, tocou em boates e foi contratado como saxofonista da Orquestra Tabajara, de Severino Araújo. A emissora de maior prestígio na época, a rádio Nacional do Rio de Janeiro, chamou-o para tocar na orquestra, então dirigida pelo maestro Radamés Gnattali. “Aprendi muito com o Radamés”, conta Moacir. “Eu era tão fanático por música que cheguei a ter aulas com cinco professores ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto – teoria musical.” Entre eles estava o compositor de vanguarda alemão Hans Joachim Koellreutter, então na crista da onda, pois trazia o debate sobre o dodecafonismo no Brasil. Moacir acabou virandos secretário de Koellreutter. Aos poucos, foi se apoderando da batuta e, já nos fins da década de 60, era um dos mais famosos maestros populares do Brasil, à frente da orquestra da rádio Nacional.
Como autor, Moacir ficou famoso com a canção “Nanã”, em parceria com o músico Mário Telles. Suas colaborações com Vinicius de Moraes renderam três músicas: “Menino Travesso”, “Triste de Quem” e “Se Você me Disser que Sim” . “Acho impressionante a música”, conta. “Ela é capaz de operar milagres. Veja Pixinguinha. Não entendo como ele conseguiu chegar a certas melodias magníficas, como a de ‘Carinhoso’. Pixinguinha é uma força da natureza. Minha ‘Nanã’ já considero eternizada pela voz de tanta gente. Estou muito feliz neste momento.”
A ocasião consolida o nome de Moacir Santos no cenário da Música Popular Brasileira. “Ele demorou a ser reconhecido”, analisa Adnet. “Se ele tivesse mostrado os choros do CD nos anos 40, a música brasileira teria seguido por um rumo inesperado.”
Moacir Santos não é de especular em torno de hipóteses. “O que eu sei é que um dia pensei em morrer para conhecer Deus. Minha mulher me convenceu do contrário e descobri a alegria de viver e fazer música. Dei minha contribuição. Quem decide é a posteridade”. Pelo jeito, a posteridade já decidiu. Moacir Santos é um dos gênios da música brasileira e universal.

Maria Rita, encantada ou assombrada?

Minha carreira começou em 1983, um ano depois da morte de Elis Regina. Não tive a oportunidade de entrevistá-la. Passei minha infância ouvindo os discos e vendo os programas de TV da “pimentinha”. Ouvi muito Elis Regina, até enjoar. A ponto de não precisar mais escutá-la – defeito de minha impaciência e não do grande canto da intérprete.
Quando Maria Rita surgiu no horizonte musical, em 2001, com um show no Supremo em São Paulo, dois anos depois com o CD Maria Rita e agora com este Segundo, a seqüência de audições me tem soado como uma reedição de Elis. Não tem jeito, não consigo ouvir nada mais que Elis em Maria Rita, mesmo sabendo que ela é contralto e a mãe era mezzo-soprano; o repertório seja outro; e boa parte do público jovem de Maria Rita jamais ouviu uma faixa da mãe. É Elis e pronto. Em setembro, fui fazer entrevista com ela por ocasião do lançamento de Segundo. Lá estava a moça de 28 anos se submetendo a baterias de entrevistas “exclusivas”, rodeada de staffs – estes por sua vez cercados de outros staffs.
Eu disse a Maria Rita que gostei do disco, porque dessa vez a voz timbrava em contralto mais que em mezzo, e você está mais você do que Elis... Ela me interrompeu: “Você está vendo mais Elis em mim do que eu vejo, e meu público já nem pensa mais nisso!”
Mania de crítico, respondi, mas acho que Maria Rita tem razão. Por pertencer a uma geração intermediária entre ela e a mãe, por ser quarentão, tenho ouvido excessivamente miasmas de Elis em Maria Rita. Para mim, mesmo no segundo CD, ela é uma cantora assombrada pelo espectro da mãe. Mas encantada pela linda voz e a originalidade que busco a qualquer custo nas 12 faixas de Segundo como procurar Wally numa multidão de referências de Elis Regina. É inevitável perceber a escolha do repertório – ainda que sambas e canções dos supernovos Marcelo Camelo e Rodrigo Maranhão -, o acompanhamento do combo e a voz, timbrada na genética, tudo me remete à mãe. Sou eu, confesso, que estou assombrado. Não é lícito nem simpático estabelecer paralelo entre gerações tão distantes: alguém vivo de 30 anos com alguém morto que faria 60, dois tempos que não se colam senão pela DNA de mãe a filha.
Vamos deixar assim, Maria Rita cantar como se não lhe conhecêssemos a filiação. Na forçada metempsicose às avessas, esvazio a alma de qualquer citação e referências. Vamos fazer como os zen-budistas e limpar a mente. Só assim posso vir a gostar do excelente Segundo. Errado sou eu.

Luís Antônio Giron


Esse mundo perfeito de Madeleine Peyroux

A cantora americana Madeleine Peyroux chega a seu terceiro CD em dez anos de carreira. O título, Half the Perfect World (Universal), vem de uma canção recente do casal Leonard Cohen e Anjami Thomas, e revela o empenho de reciclagem e originalidade de uma intérprete que se firmou no início de carreira mais pela semelhança com timbres do passado do que pelo estilo pessoal - como se isso fosse possível. No novo trabalho, o melhor de sua carreira, ela demonstra ser uma intérprete madura aos 32 anos, sem rejeitar influências. É preciso ressalvar que cantores costumam se plasmar em outros cantores, como se houvesse uma imantação vocal que os unisse sob alguma metodologia subterrânea. Curioso: as vozes ouvem vozes, mais do que notas dos compositores.
Madeleine é um caso entre muitos. Causou surpresa com seu CD de estréia, Dreamland, lançado em 1996. O espanto se deu menos pela qualidade de sua interpretação que a semelhança com um mito vocal do passado, Billie Holiday (1815-1959). Os fãs de Lady Day sentiram calafrios ao se deparar com aquilo que eles identificaram como uma reencarnação: o mesmo timbre frágil – que lembra a de um trompete com surdina – de Billie, a mesma emissão de melodias, com mordentes roucos ao final das frases, e o repertório idêntico, feito de standards da canção popular americana. E tudo soava ainda mais excêntrico porque Madeleine era uma moça rechonchuda de apenas 22 anos, branca e bem nascida na pacata cidade de Athens, no estado da Geórgia - traços quase avessos aos de Billie, que era negra e cresceu pobre nas ruas, passou fome e lutou para sobreviver na música até morrer destruída pela heroína.
Nenhuma agrura atingiu Madeleine. Seu sucesso foi imediato e ela ficou famosa no segundo CD, Careless Love, de 2004, novamente uma mistura de standards e um travo melancólico inevitável, herdado de Billie Holiday. Não há como negar o parentesco. Além do timbre e do modo de cantar, talvez outro ponto em comum entre Madeleine e Billie resida no temperamento retraído. Madeleine buscou a discrição desde o início. Filha de pais hippies, ela se mudou para Nova York quando tinha 6 anos, depois morou na Califórnia e em Paris. A mãe, professora de francês, levou-a à França quando se divorciou do marido. E Madeleine aperfeiçoou o sotaque francês e o gosto refinado. Estudou também violão. Aos 15 anos, ela se juntou ao grupo Riverboad Shufflers, que atuava nas calçadas do Quartier Latin em Paris. Passou a cantar na noite. Em 1990, entrou para a Lost Wandering Blues and Jazz Band. Foram dois anos de excursão pela Europa. A experiência serviu como base para o Dreamland, de 1996. Um dos segredos de Madeleine foi ter-se cercado desde o princípio de músicos excelentes. No primeiro álbum, era acompanhada pelo pianista Cyrus Chestnut, o saxofonista James Carter e os guitarristas Vernon Reid e Marc Ribot, entre outras estrelas. Cantar parecido com Billie Holiday lhe deu glória e boas críticas, mas, ao mesmo tempo, a rejeição de muitos puristas do jazz, que a viam como imitadora. Nos de dez anos que se seguiram, porém, Madeleine mostrou ser mais que um clone sonoro.
Nem tudo foi discreto como ela pensava. Na virada do século, ela conheceu o multi-instrumentista de jazz William Galison. De 1999 a 2003, os dois namoraram e gravaram o EP Get You on My Mind. O casal se desfez antes de o disco ser lançado, em 2004, sem dar crédito a Galison. Ele ameaçou a ex-namorada e processou-a. O escândalo só foi abafado pelo êxito de Careless Love, álbum que tornou Madeleine referência no jazz. Mais uma vez, teve a seu lado músicos de peso, como o guitarrista Dean Parks, o pianista Larry Golding e o baterista Scott Amendola.
Em Half the Perfect World , a bagagem de conhecimento e desilusões pesa de modo positivo. Para destilar o tema do álbum - aquilo que ela chama de “ponto de vista feminino” -, Madeleine se apóia num quinteto, formado novamente por Parks e Amendola, com o acréscimo do baixista David Piltch, do percussionista Jay Bellerose e do tecladista Sam Yahel. Este último forneceu uma característica especial ao resultado sonoro, mais eletrificado do que os trabalhos anteriores de Madeleine. O repertório é mais amplo e traz composições recentes, como a faixa-título, que ela interpreta como uma bossa nova, a polca “(Looking for) the Heart of Saturday Night”, de Tom Waits, e “River”, canção de Natal de Joni Mitchel, que ela canta em duo com a canadense k.d. lang. Há também quatro composições em que Madeleine colaborou diretamente como letrista. É irresistível para qualquer intérprete cometer canções. E as que trazem os versos de Madeleine não fazem feio entre as 12 faixas do trabalho. O disco abre com o blues “I’m all right”, assinada por ela, o produtor Larry Klein e Walter Becker (da dupla Steely Dan). É uma canção otimista, apesar do tema da mulher agredida pelo namorado. A atmosfera do disco oscila entre a ironia e a tristeza, o standard jazzístico e a balada popular. Entre os clássicos, “The Summer Wind” (Johnny Mercer), o fox “Smile”, de Charles Chaplin, e a valsa boêmia “La Javanaise”, de Serge Gainsbourg, a melhor abordagem do CD. Acompanhada por um quarteto de cordas, a artista exibe domínio da língua e do rubato e transporta para o passado distante a música, como se a valsa amarga Gainsbourg pudesse ter sido cantada por Edith Piaf. É a melhor interpretação da trajetória de Madeleine. Em todas as faixas, sua voz quebradiça e sensível se faz ouvir como um instrumento solista expressivo. É possível finalmente ouvi-la sem pensar apenas em Billie Holiday.
De alguma forma, Madeleine quis exorcizar em Half the Perfect World a alma antiga que diz possuí-la. Felizmente, não consegue. A intérprete encanta pelos miasmas do passado que sabe conjurar em uma combinação exata.

Luís Antônio Giron

Valor Econômico 6/10/2006

Luciana Souza converte tradição em surpresa

Unir o jazz com a música popular brasileira é uma missão das mais difíceis para os cantores. Em geral, os jazzistas que empreendem o caminho do sul alcançam resutados péssimos, porque acabam produzindo um Frankenstein sonoro que não convence ninguém. Os vocalistas brasileiros se dão melhor na tarefa, especialmente aqueles que se radicam nos Estados Unidos. Ouçam-se os casos de Flora Purim e Eliane Elias, brasileiras que consolidaram as carreiras nos EUA. A paulistana Luciana Sousa pertence a esta última categoria. Vive há mais de 20 anos nos Estados Unidos, formou-se no Berklee College of Music, fez mestrado no Conservatório da Nova Inglaterra e hoje dá aulas de canto na Manhattan School of Music. Mas o que importa em Lucian não é seu currículo universitário e suas virtudes como produtora, arranjadora e professora. Ela conseguiu chegar ao topo das paradas americanas de jazz por seu enorme talento vocal. Foi cantando o repertório brasileiro no CD Brazilian Duos (2002) que ela foi indicada para o Grammy de melhor cantora de jazz. Mais uma possibilidade de Grammy aconteceu em 2003, pelo álbum Norte e Sul, em que mesclava jazz e bossa nova, a partir de uma abordagem renovadora.
O sexto CD da carreira de Luciana, Duos II (Sunnyside/Universal), é um de seus melhores trabalhos. O estilo pode parecer com Brazilian Duos. Como neste trabalho, ela coloca sua voz cultivada para enfrentar canções brasileiras, com acompanhamento de quatro violonistas brasileiros: Romero Lubambo e Marco Pereira, com carreiras consolidadas, e os mais jovens Swami Jr. e Guilherme Monteiro, donos de um estilo mais pop.
São 12 canções. O programa envereda por Nélson Cavaquinho (“A Flor e o Espinho” e “Juízo Final”), Paulinho da Viola ( “Nos Horizontes do Mundo”), Chico Buarque (“Trocando em Miúdos”) e até um desconhecido de Caetano No Carnaval (em colaboração com Jota Veloso). A melhor faixa é o clássico “Modinha” (Tom Jobim-Vinicius de Moraes). Luciana mostra sua faceta de compositora na balançante “Muita Bobeira” – um samba-jazz contemporâneo bem interessante.
No disco, Luciana mostra sua maneira especial de interpretar canções,. Ela não explora dramas, mas busca passear pelo passado remoto e recente como a trazer à tona situações inesperadas. É uma exploradora do passado, sem tiques arqueológicos. “Não se trata de restatar cançõs, quero me juntar a elas, sempre aberta às surpresas do caminho”. Que o ouvinte vá junto.



Menino do Rio, Mart’nália (Quitanda)
A cantora carioca não escandaliza, mas impressiona neste quinto CD em quase 20 anos de carreira, primeiro para o selo dirigido pela cantora Maria Bethânia. Num momento em que suas colegas de formação mais novas procuram o samba de raiz em trabalhos arqueológicos (como Teresa Cristina e Mônica Salmaso), a filha de Martinho da Vila – que teria tudo para abraçar novamente o samba – aposta na variedade de gêneros, incluindo aí o samba contemporâneo. A faixa mais estimulante entre as 15 do CD é o samba-groove “Cabide”, de Ana Carolina. As alusões trazem segundos sentidos poéticos e a música, grudante aos ouvidos. Ótimos arranjos do maestro e violonista Jaime Alem.


Pérolas Raras, Elis Regiina (Universal)
Uma verdadeira arca do tesouro com gravações raras e inéditas do começo da carreira da cantora gaúcha (1945-1982), considerada até hoje a maior de todas da MPB. São 14 faixas, todas bonitas, todas com a interpretação poderosa de Elis Regina. Vale enumerar: “Arrastão”, na versão em compacto simples, lançado em 1965, como alternativa à versão ao vivo – que ficou famosa; “Menino das Laranjas” (Théo de Barros), compacto simples de 1965; uma versão do samba “É com esse que eu vou” (Pedro Caetano), do LP Phono 73, de 1973. Uma curiosidade especial é “A Coruja” (Vinicius de Moraes-Toquinho), canção infantil gravada para o LP A arca de Noé, da dupla. Essencial.


Kurt Masur, Roberto Minczuk e Orquestra Acadêmica (Biscoito Clássico) )
Mestre e pupilo juntos num álbum duplo. Os maestros Kurt Masur, alemão, e Roberto Minczuk, paulista, registraram a produção da orquestra dos alunos durante o Festival de Campos do Jordão de 2005. A chamada Orquestra Acadêmica foi considerada por muitos a melhor orquestra do Brasil. Talvez seja exagero,mas o álbum duplo vale a pena ser escutado. A orquestra realmente está ótima, e é difícil distinguir os golpes de batuta dos dois regentes. O CD de Masur traz Adagio para Cordas op. 11, de Samuel Barber, a Abertura Festival Cadêmico, de Johannes Brahms e Sexta Sinfonia em Ré Maior, de Gustav Mahler. O disco de Miczuc compreende Quadros de uma Exposição, de Mussorgski, Abertura de O Guarani, de Carlos Gomes, e Variações Sinfônicas de Almeida Prado. Um álbum duplo importante e ótimo de ouvir.

Gal Costa de volta ao presente

A cantora baiana Gal Costa viveu as duas últimas décadas devotada a projetos antológicos, reunindo a produção de grandes compositores (Chico Buarque, Tom Jobim etc.), numa tentativa exitosa de reinterpretar o passado recente da música popular brasileira. Cobrou-se dela, ao longo desses experimentos absolutamente legítimos numa artista do seu porte, que ela “se atualizasse” e procurasse o repertório novo. Como a índole de Gal mescla tranqüilidade e teimosia, a intérprete demorou algum tempo para se decidir a fazer um álbum apenas com canções inéditas, recolhidas de compositores conhecidos e jovens talentos.
Depois de quase um ano de seleção de repertório (centenas de arquivos sonoros, que ela ouviu e editou em seu laptop), reuniões com o maestro e pianista César Camargo Mariano, ela finalmente chegou à síntese de seu trabalho de pesquisa e interpretação. São 14 as faixas do CD Hoje, lançado por sua nova gravadora, a Trama, em São Paulo. O álbum marca o retorno dessa que é uma das grandes músicas da música brasileira ao futuro da arte que ajudou a construir. É um CD que renova o canto de Gal e mostra onde estão os olhos d’água do novo som.
Não se espere, porém, arremetidas na direção da vanguarda ou curvas perigosas em gêneros em moda, como electro e hip-hop. A grande intérprete escolheu músicas que se parecem, no fim das contas, com o que ela sempre cantou, com os fundamentos sempre nítidos de sua arte. Ei-la com a tessitura se alçando aos agudos, acompanhada pelo piano sábio de César Camargo Mariano, que se sobressai, mas conta com uma banda elétrica, com o baixista Robinho, o bateirsta Danel de Paula e a guitarra acústica de Marcus Teixeira. Edu Martins, ao baixo acústico, enfeita faixas como a inédita “Embebedado”, parceria de Chico Buarque com o professor da USP Zé Miguel Wisnik, uma das mais inusitadas faixas do disco, pela estilo erudito da melodia, quase uma ária de ópera, o compasso composto e a letra lírico-etílica: “Pendurado de banda/ No vão da varanda; Do prédio a rodar/ Nãos ei mais se é o mundo/ Que cai aos meus pés; Ou de peras pro ar/ Embebado de você”.
Ouvir o CD é sentir o ouvido fluir com sons e versos de alto extrato. Há três deliciosas parcerias do músico africano Lokua Kanza com o letrista paulistano Carlos Rennó (“Mar e Sol”, “Te Adorar” e “Sexo e Luz”), um lamento grave e inédito de Caetano Veloso - “Luto”, quase uma radiografia da desilusão e da perda de inocência do Brasil utópica, uma crítica ao acanalhamento do carnaval: “3sa festa que meu pai me deu para terino espritiual/ Agora é só cinza na cabeça/ Deapareça, por favor, da minha frente”). E há pequenos engastes preciosos, como o ijexá moderninho do baiano Péri (“Voyeur”), a surpreendente bossa-nova “Pra que cantar”, do estreante Nuno Ramos (sim, ele próprio, o artista plástico de vanguarda paulista), e baladas deliciosas de Junio Barreto, Moisés Santana, Tito Bahiense e Moreno Veloso, filho de Caetano, autor da lentíssima “Hoje” e o samba “Um passo à frente”, em parceria co Quito Ribeiro, uma boa música para tocar na rádio. Mas quem vai esperar pela grande Gal tocar na rádio? Melhor é ir direto à fonte, uma das fontes da nossa música.







Contratenor, Edson Cordeiro (Paulus)
O nono CD em 20 anos de carreira do contraltista e ator paulista de Santo André é uma declaraçãod e amor à música do século XVIII, em suas vertentes barroca, clássica e rococó. Com poderoso ímpeto vocal, Edson canta árias de Georg Phillip Haendel, Antonio Vivaldi, Gluck, Mozart e Massenet. Este último entrou na dança porque se trata de uma adaptação de Bach, a famosa “Ave Maria”. Acompanhado pelo jovem pianista Antonio Vaz Leme, Cordeiro ergue a voz para mostrar que a música clássica tem lugar de honra da cultura contemporãnea.



Pau Brasil 2005e , Pau Brasil (Biscoito Fino)
Já fazia algum tempo que o quinteto instrumental devia um trabalho de peso para o ouvinte. Eis o Pau Brasil na sua melhor fase. Formado por Rodolfo Stroeter (baixo acústico e elétrico), Teco Cardoso (sax, flauta), Nelson Ayres (teclados e piano), Ricarod Mosca (bateria) e Paulo Bellinati (violões), o conjunto mostra que a música instrumental brasileira só tem o defeito de não possuir um termo sintético – algo como jazz. Porque é original e mereceria. Nas oito faixas, exibem com composições próprias e se confrontam com mestres, como “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso, e dois movimentos das “Bachianas Brasileiras nº 5”: Aria da Cantilena e Dança Martelo. O que domina é a paleta timbrística e a liberdade de ser profundo sem ser hermético.


Tom Jobim Inédito (Biscoito Fino)
Uma gema rara da carreira de Tom Jobim é este registro da excursão que o compositor carioca (1927-1994) fez em 1987 pelo Brasil, em comemoração ao sexagésimo aniversário. Seu grupo era formado pelos filhos Paulinho e Elizabeth, a mulher Ana, e os amigos Jacques (violoncelo) e Paula Morelenbaum, Simone e Danilo Caymmi, Maucha Adnet, Sebastião Neto e Paulo Braga. Ali estão seus sucessos, retrabalhados em arranjos e harmonizações diferentes. O CD, gravado para a Odebrech, foi lançado em tiragem restrita em 1995. Pela primeira vez, o fã de Tom pode ter um dos melhores momentos da última fase de sua carreira.

Gal Costa de volta ao presente

A cantora baiana Gal Costa viveu as duas últimas décadas devotada a projetos antológicos, reunindo a produção de grandes compositores (Chico Buarque, Tom Jobim etc.), numa tentativa exitosa de reinterpretar o passado recente da música popular brasileira. Cobrou-se dela, ao longo desses experimentos absolutamente legítimos numa artista do seu porte, que ela “se atualizasse” e procurasse o repertório novo. Como a índole de Gal mescla tranqüilidade e teimosia, a intérprete demorou algum tempo para se decidir a fazer um álbum apenas com canções inéditas, recolhidas de compositores conhecidos e jovens talentos.
Depois de quase um ano de seleção de repertório (centenas de arquivos sonoros, que ela ouviu e editou em seu laptop), reuniões com o maestro e pianista César Camargo Mariano, ela finalmente chegou à síntese de seu trabalho de pesquisa e interpretação. São 14 as faixas do CD Hoje, lançado por sua nova gravadora, a Trama, em São Paulo. O álbum marca o retorno dessa que é uma das grandes músicas da música brasileira ao futuro da arte que ajudou a construir. É um CD que renova o canto de Gal e mostra onde estão os olhos d’água do novo som.
Não se espere, porém, arremetidas na direção da vanguarda ou curvas perigosas em gêneros em moda, como electro e hip-hop. A grande intérprete escolheu músicas que se parecem, no fim das contas, com o que ela sempre cantou, com os fundamentos sempre nítidos de sua arte. Ei-la com a tessitura se alçando aos agudos, acompanhada pelo piano sábio de César Camargo Mariano, que se sobressai, mas conta com uma banda elétrica, com o baixista Robinho, o bateirsta Danel de Paula e a guitarra acústica de Marcus Teixeira. Edu Martins, ao baixo acústico, enfeita faixas como a inédita “Embebedado”, parceria de Chico Buarque com o professor da USP Zé Miguel Wisnik, uma das mais inusitadas faixas do disco, pela estilo erudito da melodia, quase uma ária de ópera, o compasso composto e a letra lírico-etílica: “Pendurado de banda/ No vão da varanda; Do prédio a rodar/ Nãos ei mais se é o mundo/ Que cai aos meus pés; Ou de peras pro ar/ Embebado de você”.
Ouvir o CD é sentir o ouvido fluir com sons e versos de alto extrato. Há três deliciosas parcerias do músico africano Lokua Kanza com o letrista paulistano Carlos Rennó (“Mar e Sol”, “Te Adorar” e “Sexo e Luz”), um lamento grave e inédito de Caetano Veloso - “Luto”, quase uma radiografia da desilusão e da perda de inocência do Brasil utópica, uma crítica ao acanalhamento do carnaval: “3sa festa que meu pai me deu para terino espritiual/ Agora é só cinza na cabeça/ Deapareça, por favor, da minha frente”). E há pequenos engastes preciosos, como o ijexá moderninho do baiano Péri (“Voyeur”), a surpreendente bossa-nova “Pra que cantar”, do estreante Nuno Ramos (sim, ele próprio, o artista plástico de vanguarda paulista), e baladas deliciosas de Junio Barreto, Moisés Santana, Tito Bahiense e Moreno Veloso, filho de Caetano, autor da lentíssima “Hoje” e o samba “Um passo à frente”, em parceria co Quito Ribeiro, uma boa música para tocar na rádio. Mas quem vai esperar pela grande Gal tocar na rádio? Melhor é ir direto à fonte, uma das fontes da nossa música.







Contratenor, Edson Cordeiro (Paulus)
O nono CD em 20 anos de carreira do contraltista e ator paulista de Santo André é uma declaraçãod e amor à música do século XVIII, em suas vertentes barroca, clássica e rococó. Com poderoso ímpeto vocal, Edson canta árias de Georg Phillip Haendel, Antonio Vivaldi, Gluck, Mozart e Massenet. Este último entrou na dança porque se trata de uma adaptação de Bach, a famosa “Ave Maria”. Acompanhado pelo jovem pianista Antonio Vaz Leme, Cordeiro ergue a voz para mostrar que a música clássica tem lugar de honra da cultura contemporãnea.



Pau Brasil 2005e , Pau Brasil (Biscoito Fino)
Já fazia algum tempo que o quinteto instrumental devia um trabalho de peso para o ouvinte. Eis o Pau Brasil na sua melhor fase. Formado por Rodolfo Stroeter (baixo acústico e elétrico), Teco Cardoso (sax, flauta), Nelson Ayres (teclados e piano), Ricarod Mosca (bateria) e Paulo Bellinati (violões), o conjunto mostra que a música instrumental brasileira só tem o defeito de não possuir um termo sintético – algo como jazz. Porque é original e mereceria. Nas oito faixas, exibem com composições próprias e se confrontam com mestres, como “Na Baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso, e dois movimentos das “Bachianas Brasileiras nº 5”: Aria da Cantilena e Dança Martelo. O que domina é a paleta timbrística e a liberdade de ser profundo sem ser hermético.


Tom Jobim Inédito (Biscoito Fino)
Uma gema rara da carreira de Tom Jobim é este registro da excursão que o compositor carioca (1927-1994) fez em 1987 pelo Brasil, em comemoração ao sexagésimo aniversário. Seu grupo era formado pelos filhos Paulinho e Elizabeth, a mulher Ana, e os amigos Jacques (violoncelo) e Paula Morelenbaum, Simone e Danilo Caymmi, Maucha Adnet, Sebastião Neto e Paulo Braga. Ali estão seus sucessos, retrabalhados em arranjos e harmonizações diferentes. O CD, gravado para a Odebrech, foi lançado em tiragem restrita em 1995. Pela primeira vez, o fã de Tom pode ter um dos melhores momentos da última fase de sua carreira.

Quando a ópera era tabu em Roma

Entre os anos de 1700 e 1710, os papas proibiram a montagem e execução de óperas em Roma. O banimento da arte mais popular daqueles tempos de contra-reforma durou tempo suficiente para que os cardeais, bispos e arcebispos, em geral homens de cultura e gostos refinados, encontrassem um jeito de burlar a dura lei pontifícia. Eles trataram de encomendar a grandes compositores da época oratórios e cantatas que de sacro só tinham o nome. Por debaixo das vestes, do pálio e da mitra, o que vibrava eram as melodias do bel canto e os libretos repletos de episódios pastorais e passionais que bem poderiam figurar nos então execrandos palcos de Nápoles ou Veneza. Sob o disfarce religioso, os ouvintes romanos se esbaldavam com árias e recitativas no mínimo inebriantes para os sentidos – até porque era necessário dar função a encenadores, figurinistas e músicos. Esse é é o programa do CD Opera Prohibita (Decca/Universal), com a soprano Cecilia Bartoli e a orquestra Les Musiciens du Louvre, regida por Mark MInkowski.
Minkowski é um arqueólogo do Barroco. Sua seleção de repertório para este trabalho toca o inusitado. São 15 faixas, entre antatas e oratórios, escritor por três compositores que atuaram na Cidade Eterna naquele decênio complicado: Alessandro Scarlatti (1660-1725), George Friedrich Haendel (1685-1759) e Antonio Caldara (1670-1736). Cada qual a seu modo, eles trabalharam em prol da profanação das regras férreas da Igreja com peças dramáticas e sentimentais. Outra novidade do disco é a presença de Cecilia Bartolli, em geral mais dedicada ao período romântico. Ela não soa como uma cantora de música histórica – o que combina com a intenção do álbum: carrega na interpretação, não teme o vibrato e se expande no rubato e nos ornamentos. Talvez seja mais parecida com as cantoras daqueles tempos.
Entre as curiosidades do disco, figura a cantata Il Trionfo dell’Inocenza, de Caldara. Apresentada no palácio de um arcebispo, essa defesa da inocência coloca no palco dois personagens femininos, em constantes arrulhos amorosos. No final, o público fica sabendo que uma delas era um ermitão. Aumentava a sensualidade da trama o fato de que cantoras eram proibidas de cantar naquela época. O que significava que o namoro das duas jovens era representado por dois cantores – castrati – vestidos de mulher. A música de Caldara é suave e lírica, nunca deixando de apostar no virtuosismo e no apelo aos afetos e efeitos especiais.
A execução dos Musiciens du Louvre é rigorosamente barroco, com direito a instrumentos de época e procedimentos estilísticos do tempo: arcadas curtas nas cordas, contrastes violentos de dinâmica e dramatização do baixo-contínuo. Uma festa profana em pleno sanctum sanctorum.






You Could Have It So Much Better, Franz Ferdinand (Trama)
O quarteto escocês estourou em 2003 com um rock dançante cheio de humor e bons achados nas guitarras. O novo trabalho, gravado na ponte aérea Edimburgo-Nova York, é por assim dizer mais cerebral. As 14 faixas revezam rocks rápidos, moderados e baladas. A melhor faixa se intitula “Do you Want To”, um rock todo vazado no estilo underground dos anos 60. Em geral, o som conjuga hardcore, rockabilly e um certo sabor de rock dos anos 80, como Talking Heads. O resultado estimula. Franz Ferdinand é uma das melhores bandas da moda.


Choros & Alegria, Moacir Santos (Biscoito Fino)
Aos 79 anos, o maestro pernambucano Moacir Santos é um dos grande mitos da bossa nova. Ele foi o arranjador dos primeiros discos de Vinicius de Moraes e chefe absoluto da orquestra da Rário Nacional nos anos 50 e 60. Imigrou para os Estaos Unidos em 1970 e desde então vive lá. O disco, com arranjos e arregimentação do saxofonista Zé Meneses e do violonista Mário Adnet, traz 14 faixas, entre composições antigas e inéditas. Moacir lembrou dos choros que compôs na adolescência e os ditou aos maestros. Alegria é como ele chama as composições mais experimentais e jazzísticas. Doze músicos promovem um dos grandes álbuns intrumentais da temporada. Moacir comparece como homenageado, autor e, vez por outra, narrador.



Samba Passarinho, Peri (Baticum Discos)
O cantor e compositor baiano Péri é uma avis rara bossa-novista perdida em São Paulo. Radicado na Paulicéia há 15 anos, ele acaba de fundar sua própria gravadora e lançar um álbum precioso. Trata-se de uma aventura interpretativa pelo samba dolente e cool do conterrâneo João Gilberto. Péri possui voz e interpretação que podem remeter às de Caetano Veloso, mas há algo de original no modo como divide as canções. Um disco para ouvir várias vezes. Vale a pena comparar como ele interpreta a bela canção “Voyeur” em comparação à leitura de Gal Costa no seu novo disco.

Max de Castro, tsunami de ritmos-

Em seu terceiro CD, Max de Castro equilibra canções para rádio e arranjos sofisticados





Max de Castro acaba de lançar o terceiro CD de sua carreira de cinco anos. Max de Castro (Trama) pode ser descrito como um verdadeiro tsunami de gêneros, ritmos e achados sonoros. É tanta criatividade que o ouvinte pode ser levado pelas ondas gigantes. Mas a melhor política para ouvir Max é deixar a onda levar. As 12 faixas apresentam um festival de samba, frevo, bolero, grooves e pura música instrumental. Os aspectos eletrônicos e acústicos da produção e dos arranjos se unem num produto onde nada parece fora do lugar.
“Cada vez menos eu distingo onde começa uma composição e termina o arranjo, onde acaba o meu trabalho como arranjador para deixar correr o cantor e compositor.”
Isso fica muito evidente numa das melhores faixas, o episódio instrumental para banda e metais “Pixinguinha Superstar”, que poderia se chamar também de “Moacir Santos Superestar”, pois lembra aqueles arranjos clássicos dos anos 60 do maestro Moacir Santos. Mas há também canções para tocar no rádio, como o sambão “Rosa, um Samba para Excluídos” e “Silêncio no Brookyin” – homenagem a outra referência na carreria do músico, Jorge Ben (ou seja, o Benjor dos anos 60).
Aos 32 anos O filho de Wilson Simonal e irmão de Wilson Simoninha
não se satisfaz com o mero papel de cantor e compositor. Ele se encaminha para a difícil função de superprodutor. “Minhas influência, além do meu pai, claro, são Quincy Jones, Tom Jobim, Prince, Stevie Wonder e o maestro afro-americano Oliver Nelson, que pouca gente conhece e que recomendo conhecerem”, diz.
Curiosamente, Max tem uma formação musical condizente à explosão de criatividade de seu novo álbum. Se nos trabalhos anteriores – Samba Raro, de 1999, e Orchestra Klaxon, de 2002, ambos pela gravadora Trama – ele se esmerou em estudar as reações do samba sob o impacto do scratch e do groove (métodos da música eltrônica), em Max de Castro ele aposta numa engenharia mais complexa, na qual os gêneros e métodos se concatenam de acordo com as necessidades da imaginação.
“Sou um eterno curioso”, conta o músico. “Estudei música, sei escrever partitura, mas também fui um dos primeiros a acompanhar e a me envolver com a cena eletrônica de São Paulo. E tem minha formação como ouvinte e músico popular.”
Ele explica que não tem um modo único de fazer música: “Componho com tudo o que tenho à disposição. Às vezes me acontecem idéias e vou jogando temas no banco de dados do compoutador. As idéias podem pintar em forma de melodia, quando estou tocando guitarra ou violão, ou mesmo na forma de versos soltos, a qualquer hora do dia e da noite. Junto os fragmentos e uma hora acaba aparecendo um disco inteiro ou um show”.
Muitas vezes tachado de “cerebral”, Max não gosta do termo. “Faço um som sofisticado, mas não é para me exibir”, brinca. ‘É uma coisa idelógica mesmo, de não querer jogar o jogo fácil. Eu tenho condições de compor um reggaezinho bonitinho para fazer sucesso. Prefiro contribuir com a música popular de outra maneira, tirando o máximo da minha imaginação, tentando conectar a música com outras referências, outras artes, fazendo a música dar um salto”.
Max de Castro não é um campeão de vendas da Trama. Segundo o diretor presidente da Trama, João Marcello Bôscoli, os discos de Max têm uma vendagem de 30 mil exemplares, o que sustenta a carreira do músico. “Max não precisa nem quer vender 100 mil”, diz Bôscoli. “O barato dele é criar com profundidade, e este tem sido um dos objetivos da Trama. Max abre as picadas, ele pega as estruturas da música e renova o nosso ouvido.”
O músico foi um dos primeiros contratados da gravaodra, sediada no bairro de Pinheiros, em São Paulo. “Hoje, nosso cast é de 20 artistas, em gêneros diversos, ip hop, eletrônico e música brasileira. Isso para não falar dos lançamentos internacionais.” O ritmo de lançamento da Trama, em seis anos de trajetória, é de 10 CDs por mês. “Nossa aposta é o que chamamos de nova música brasileira. Não é banalizar jamais. E contamos com artistas do nível de Max de Castro para isso.”
Isso permitiu que Max ficasse seis meses dentro do estúdio da Trama para criar seu CD. “Sou um privilegiado porque tenho um estúdio à minha disposição”, orgulha-se. Com o apoio da gravadora, Max começa a fazer a turnê do disco no final de abril, começando por Brasília. Ele está estudando a melhor formação instrumental para o show, que deve ir também para vários estados do brasil. “É engraçado: já toquei três vezes na Europa, mas nunca no Nordeste. É uma distorção tipicamente brasielira: para o músico daqui fica mais fácil sair do país do que se embrenhar nele.” Até agora, sua banda foi formada por dois texlados, baixo,bateria, percussão e DJ. “Ainda não sei como será a nova banda, mas o fato é que preciso adaptar o que fiz no CD ao show. E show não é CD, é uma espécie de revisão constante do que fiz até o momento”.
O público que se prepare para as ondas violentas de sons renovadores. Max vem aí para agitar e carregar para logne as idéias fixas.

Luís Antônio Giron

Zeca Baleiro muito romântico

O músico maranhense lança dois CDs líricos em pólos opostos: um para tocar na rádio e outro mais intelectual, com poemas de Hilda Hilst


Beirando os 40 anos de nascimento e os 20 de carreira, o cantor e compositor Zeca Baleiro já foi chamado de neotropicalista, intelectualizado e até hermético, para não mencionar que cantou com Gal Costa, suas músicas tocaram em novela e foi assim acusado de ser excessivamente popular, ou populista. Esse maranhense nascido José Ribamar e há duas décadas radicado em São Paulo dá risada dos rótulos que lhe põe. E se afirma sentir-se maduro e com coragem para lançar dois CDs simultaneamente, semelhantes em um aspecto e diversos em outros. Eles se parecem por causa das canções românticas que povoam ambos os produtos. Mas se diferenciam pelo tom e o registro: enquanto Baladas do Asfalto e Outros Blues (MZA/Universal) sai por uma grande gravadora e suas 13 faixas se destinam ao ouvinte de rádio, que gosta de boas baladas; o segundo, com um título bastante longo, Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé inaugura o selo Saravá, do próprio Zeca, e traz dez poemas da escritora paulista Hilda Hilst (1930-2004) cantados por dez vozes importantes da MPB, de Ãngela Maria a Monica Salmaso, passando por Jussara Silveira, Zélia Duncan, Verônica Sabino e a velha amiga e companheira Rita Rilbeiro. Hilda morreu desconsolada porque não conseguiu vender seus livros, pois era considerada hermética pelos críticos. Uma de seus últimos projetos foi com Zeca, para tentar quebrar a casca do hermetismo e chegar ao grande público por meio da música popular.
Desse jeito, Zeca dá uma no cravo e outra na ferradura, apostando ao mesmo tempo no padrão mais comercial e no gênero cult. “Vou agradar assim tanto ao pessoal da universidade como ao da indústria”, brinca Zeca, pouco antes de partir para uma turnê pela França e Portugal, onde lançou Baladas de Asfalto. “Cheguei a um momento na carreia que posso fazer tudo sem prestar contas a ninguém. O que importa é a obra”.
Zeca acha que é um grande desafio lançar um selo independente, que não terá distribuição por multinacional e que se devota apenas a projetos especiais. “Talvez seja esta a saída para levar ao público um pouco daquilo que o artista sente”, diz. “É um modo também de levar adiante velhas idéias que estão à margem do mercado”. Um deles está sendo lançado pelo Saravá em paralelo ao álbum com poemas de Hilda. Trata-se do álbum Cruel, com nada menos que uma dezena de composições inéditas de um dos mestres espirituais de Zeca, o poeta e baladeiro capixaba Sérgio Sampaio (1947-1994). Zeca teve acesso a uma fita que Sampaio gravou em Salvador no início de 1994, meses antes de morrer. “Ele cantou músicas inéditas para enviar a diversos cantores da época, mas acabou que morreu antes e o documento ficou nas mãos da esposa”, conta Zeca. Há já alguns anos, ele tem alimentado a idéia de lançar o disco – primeiro pelo selo Baratos Afins e agora por conta própria. Convidou 20 músicos da cena paulistana para “contracenar” em overdub com a voz e o violão de Sampaio. O título vem da única música que já havia sido gravada, “Cruel”. “O disco póstumo de Sérgio Sampaio vem para ficar”, garante.
Sempre humilde com a própria obra, Zeca não hesita em dizer que produziu Baladas do Asfalto como o produto mais fora do seu controle que jamais fez. “Não sou o produtor, apenas forneci as canções, a partir da idéia dos produtores Walter Costa e Dunga, que me pediram para fazer baladas para rádio”, conta. “Achei ótima a idéia e passei os últimos meses compondo como um doido: de um lado as canções para rádio, de outro finalizando como produtor o CD em parceria com Hilda.” Ele não considera, porém, os projetos em parceria como puramente seus. Discos de carreira mesmo são cinco, incluindo-se Baladas do Asfalto. Em 2003, gravou um belo trabalho com o cantor cearense Raimundo Fagner, mas acha que não pertence à sua pura inspiração.
“Se eu estivesse à frente da produção de Baladas do Asfalto, o resultado sonoro seria diferente”, analisa. “O que não quer dizer que não esteja excelente”. De fato, as 13 faixas são caracterizadas por arranjos de estúdio, capitaneados pelo baixista e produtor Dunga, que tocou com Lulu Santos e outros medalhões da cena pop carioca. A melhor canção do disco também será a música de trabalho: “Alma Nova”, uma parceria de Zeca com o poeta e conterrâneo Fernando Abreu. Há outras colaborações de letristas no CD, como “Versos Perdidos”, com versos de Fausto Nilo e “Flores no Asfalto”, com Gerson da Conceição. “O clima todo é romântico, música de estrada para tocar e acompanhar em coro”. O que não impede que Zeca dê seus pulinhos intelectuais aqui e ali, como na última faixa, “Mulher Amada”, sobre poema de Murilo Mendes, “Relatividade da Mulher Amada”.
Até o fim do ano, Zeca pretende lançar o disco “de rádio” em uma turnê nacional e, para isso, deve montar uma banda. “Conquistei um público cativo no Brasil todo”, alegra-se. “Minha carreira foi construída no boca-a-boca. Nada mais natural que eu trabalhe no corpo-a-corpo, indo onde o público está, do interior do Maranhão ao do Rio Grande do Sul. Tenho certeza que esse público que compra meus discos no shows não vai se decepcionar.” Com certeza, Zeca Baleiro atingiu um ponto em que pode agradar a gregos, troianos, nordestinos e sulistas sem perder a elegância. Acessível ou cult, o fato é que ele continua espalhando gelas canções pelo Brasil.

Luís Antônio Giron

Baden Powell e a negação do candomblé

O Rio de Janeiro se converteu no genuíno túmulo do samba. O violonista e compositor Baden Powell foi enterrado na manhã fria de 27 de setembro de 2000, em dia pouco usual para os padrões cariocas. Naquele instant, eu sobrevoava o cemitério São João Batista, e aterrissei na Cidade Maravilhosa ao contrário do “Samba do Avião”, tantas vezes interpretado pelo violonista. E vamos nós, como quem chegasse tarde ao funeral do samba.
Baden havia morrido na madrugada do dia anterior, terca-feira, de falênccia múltipla dos órgãos, aos 63 anos. Baden Powell, autor do “Samba da Bencão” e muitos outros clássicos, desceu à sepultura. As datas de nascimento e morte, assim juntadas (1937-2000), soam como cifras de quem morre rompendo o milênio, parece morte de faraó, muito longa, muito hierática. O nome do violonista poderia figurar em uma pirâmide, caso a MPB tivesse seu Vale dos Reis.
Com uma carreira longa e pouca idade, ele conseguiu formar uma obra de peso: mais de 50 discos gravados (o primeiro é de 1956) e 255 composicões. Baden garantiu a qualidade da música brasileira porque soube unir os registros erudito e popular em uma linguagem violinística renovadora. Os necrológios foram muito elogiosos, mas agora vem o momento de examinar o legado do autor edo instrumentista.
O que parece claro é que a fonte de inspiracão de Baden se esvaiu ainda em vida. Ele renegou suas obras passadas por conterem material colhido diretamente na umbanda e no candomblé. Parou de tocar música de feiticaria e tratou de, infelizmente, domesticar seu violão outrora incendiários nos ponteios, nos arpejos de dinâmicas inquietantes, no dedilhado encantadores pela medida imprecisão, na armacão dos acordes simples que soavam esotéricos porque nasciam do modalismo da tradicão africana. Baden matou a arte antes de ir embora. Converteu-se ao messianismo evangélico e negou o hedonismo original, que era sua fonte.
O pagão virou cristão, o som virou um intervalo entre dois silêncios. O momento de mutacão de sua carreira aconteceu com o encontro com Vinicius de Moraes. O poetinha havia perdido o parcerio Tom e precisava de outro músico para se apoiar. Corria o ano de 1962 e Baden caiu como uma mão providencial. Os dois fizeram a série chamda “afro-sambas”. O termo confundiu muita gente, que protestou, argumentando que todo samba era afro, então por que denonimar os sambas de afros? O fato é que tanto Baden como Vinicius eram praticantes de candomblé e o termo “afro” queria expressar a temática religiosa e a origem modal das cancões, inspiradas diretamente nos pontos de candomblé.
Músicas do quilate de “Cancão de Xangô”, “Canto de Ossanha” e “Iemanjá” estabeleceram um modelo diferente para o samba culto, até então dominado pelo estilo bossa-novista do violão de João Gilberto. O violão de Baden era ao mesmo tempo mais primal e mais clássico; era mais extrovertido e franco; dizia respeito a raízes populares, mas se estruturava nas licões de Tarrega e Villa-Lobos. Os sambas de Baden não eram feitos de blocos de acordes minimalmente variantes, mas de acordes “soltos”, modais, que permitiam o bailado dos dedos sobre as cordas e trastes do violão. Eles representam um retorno ao primitivismo aparente, uma volta ao violão de Dorival Caymmi. Aparente porque também Caymmi reinventou o violão brasileiro ouvindo jazz e os acordes de sextas e sétimas.
Baden inventou melodias bonitas sobre um rigoroso esquema virtuosístico do violão clássico. Seus sambas-afros são, na realidade, Lieder, cancões eruditas, nutridas na escritura ocidental para a melodia do violão.A leveza de suas músicas fica por conta dos versos de Vinicius, que tão bem se casam com elas, num permanente combate de contrastes. As duas dezenas de sambas-afros de Baden formam seu legado para a posteridade. São pecas intelectualizadas, virtuosísticas, inimitáveis, que Baden rejeitou como um pecado mortal. O samba clássico morreu com ele; ou melhor, antes dele.


Luís Antônio Giron

Céu prenhe de lirismo

Um tremendo assombro. Assim pode ser chamada a aparição da cantora paulisana Céu no ano de 2005. No bom sentido, é claro: a moça meio retraída de 24 anos Maria do Céu, ou simplesmente Céu, espantou positivamente audiência e crítica com sua beleza singela tipicamente brasileira e sobretudo com sua arte refinada. A voz doce de seda natural associada às composições tão próprias como caracteristicamente brasileiras, fizeram de seu primeiro CD, Céu, pelo pequeno selo Tratore, um dos acontecimentos do ano, com repercussão grande neste. A ponto de uma gravadora de grande porte como a Warner estar em conversações com a intérprete, que, no ato contínuo do lançamento, fez sua primeira turnê pela Europa. No ano passado, duranteo o Ano do Brasil na França, a cantora conquistou um nicho europeu – e lá foi lançado primeirametne seu CD, tendo vendido até agora cerca de 20 mil exemplares.
Maria do Céu Poças nasceu em São Paulo e teve em casa sua formação musical. Ela é filha do maestro Edgar Poças e aprendeu a gostar de música brasileira da forma mais natural possível.
O disco tem atrativos de sobra para conquistar todo tipo de público. Com 15 faixas, ele foi produzido por Beto Villares, com colaboração de Antônio Pinto. O repertório reveza samba e música brasileira moderna, com um toque bem eletrônico. Entre os músicos que participam figuram Alex Haiat (violão), Lucio Maia (guitarra), Pepe Cisneros (piano), Zezinho Mutarelli (sax), Sidnei Borgani (trombone), Lucas Martins (baixo) e Maurício Alves (percussão). Para dar um toque moderno, o DJ Marco se encarrega dos scratches.
O charme especial do álbum está mesmo na voz de contralto de Céu, capaz de cantar com suavidade e convencer na interpretação (a única do repertório tradicional que ela ousou abordar) “Ronco da Cuíca”, de Aldir Blanc e João Bosco, em versão e-music. Ela também sabe compor boas canções, como os sambas “Malemolência” , “Samba na Sola” e a balada pop “Ave Cruz” , em parceira com Alec Haiat, “Valsa pra Biu Roque”, em parceira com Beto Villares.
Uma das músicas só de Céu, a lenta “Bobagem”, dá a medida de sua posição na cena recente da MPopB. Diz a letra: “Minha beleza/ Não é efêmera/ Como o que eu vejo/ Em bancas por aí? Minha natureza/ É mais que estampa/ É um belo samba; Que ainda está por vir”. Esta convicção faz de Céu uma cantora diferente, possuidora de uma pletora instantânea de fãs: a de que seu lirismo veio para ficar.

Luís Antônio Giron

Glória intermitente para Elisete Cardoso

Luís Antônio Giron


A história foi uma madrasta especial para a cantora carioca Elisete Cardoso (1920-1990), também conhecida pelos apelidos que lhe davam os jornalistas: A Divina, A Enluarada, A
Magnífica, Mulata Maior, a Preferida, Lady do Samba e — o mais expressivo de todos — Machado de Assis da Seresta. Última artista pertencente à chamada “era antiga” da música popular brasileira a ter conseguido fazer sucesso, tornou-se a primeira a ouvir pesar sob sua gar
ganta a espada da moda. Foi catalogada como antigüidade, mas nuncase conformou com isso; reclamou até o fim do esquema do jabaculê e do fato de os grandes intérpretes terem sido alijados da programação das rádios. Sua contribuição pode ser reavaliada agora com o lança-
mento de diversos CDs por três gravadoras, que traçam o acidentado percurso estético da intérprete do início dos anos 50 à década de 70. São eles “Canção do Amor Demais“ (Festa/relançamento Movieplay), com Elisete interpretando canções de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, a caixa “Elisete Cardoso, A Divina“ (Copacabana), com quatro CDs
mostrando gravações entre 1957 e 1974, e a série “Elizeth Cardoso” (RGE), que traz, em três CDs, as 36 faixas (na época 18 discos de 78 rotações) para a gravadora Todamérica entre 1950 a 1955. Assoma desses registros uma cantora completa, quem sabe mais clássica do que supôs a crítica dos anos 80 e imagina a dos 90, acostumada a trabalhar com a surrada dicotomia velho/novo. Com uma técnica vocal superior à de Dalva de Oliveira e uma inflexão expressiva menos datada do que a exibida por Elis Regina, ela resiste ao teste dos cruéis ouvidos da posteridade. Estes, apesar de sabedores de uma evolução que aquela voz não pôde alcançar, não têm como não se render à enunciação melódica de Elisete.Os artistas da velha guarda goza-
vam do auge quando ela ensaiou os primeiros shows, aos 5 anos, cantando a marcha-charleston “Zizinha” (José Francisco de Freitas) como convidada infantil do clube Kananga do Japão. A maioria dos semideuses da “época de ouro” já estava morta quando ela foi chamada a de-
fender na TV Record a Velha Guarda, apresentando o programa “Bossaudade” em, contraposição com a então chamada MPBM, música popular brasileira moderna, logo abreviada para MPB. O fato é que, até a aparição de Elis Regina, fundadora emepebista, com “Arrastão” (Edu Lobo-Vinicius de Moraes), em 1965, Elisete (um quase anagrama
de “Elis”), era considerada a grande intérprete brasileira.
Para atingir essa condição, esfalfou-se no trabalho, colecionou imensas decepções e pequenos triunfos. A primeira oportunidade profissional aconteceu por acaso, no seu aniversário de 15 anos. Elisete Moreira Cardoso morava ainda ao lado do morro de Mangueira quando Jacob do Bandolim ouviu-a cantar na festa de aniversário. Convidou-a então para fazer teste na Rádio Guanabara. Até então havia trabalhado com balconista, funcionária e peleteira. O pai, músico amador, não gostou, mas a menina fez questão de se apresentar no programa “Suburbano”. Lá cantavam Marilia Batista, Vicente Celestino, Aracy de Almeida e Noel Rosa. Com este, cantou em dueto “De babado sim”, samba gravado naquela época pelo autor e Marilia Batista. Assinou contrato com a Rádio Educadora e atuou como passista em uma revista. Um dos atores era Ari Valdez. Casou-se e separou-se dele rapidamente. Passou a cantar em cabarés e circos, foi taxi-girl. Mudou-se para São Paulo durante a Segunda Guerra e fez
parte do elenco da Rádio Cruzeiro do Sul. Em 1947, de volta ao Rio, gravou seu primeiro dis-
co, pelo selo Star. As músicas eram “Braços vazios” (Moacir Costa) e “Mensageiro da sauda-
de” (Ataulfo Alves-José Batista). O disco não fez sucesso. Em 1949, entrou para a gravadora To
damérica. Ali, conforme mostram os três volumes da RGE, começou a fazer sucesso com interpretações maduras e precisas, revelando domínio e controle da melodia. Seuprimeiro êxito virou prefixo musical ao longo de toda a vida: “Canção de amor” (Chocolate-Elano de Paulo). Participou do primeiro programa de TV, na Tupi, em 1951.
Durante a fase na Todamérica , foi uma das primeiras intérpretes de Nelson Cavaquinho e
lançadora de sucessos de Carnaval. No terceiro volume da coleção da RGE (que traz textos do
crítico Tárik de Souza), ela comparece interpretando o samba “Amor que morreu“ (Nelson Cavaquinho Roldão Lima-Gilberto Ferreira), além de marchas e sambas carnavalescos, como “Ao deus dará” (Haroldo Barbosa-Bidu Reis). Também cultivou o gênero Fossa, em sambas
lentos sub-Lupicínio Rodrigues do tipo “Vida vazia” (Mário Lago-Chocolate) e “Tormento” (Carioca-Jeanete Adib). Os sambas de fossa incutiram na posterior Bossa Nova uma ansiedade da influência. Esta se trai nas músicas menos melancólicas de Tom e Newton Medonça.
Eles faziam uma leitura da Fossa e pensavam em intérpretes a contrapelo de Elisete, além do que “bossa” e “fossa” formam um par mínimo, anagramático Em 1956 ela trocou a Todamérica pela a gravadora Copacabana e ali consolidou o nome. O sucesso já estava raro quando, aos 38 anos, recebeu o convite de Vinicius para gravar o LP “Canção do Amor Demais” (Festa).
Com a eclosão da Bossa Nova, foi convidada a se juntar com a Velha Guarda. Em 1964, interpretou as “Bachianas brasileiras n.º 5”, de Villa-Lobos, no Teatro Municipal de São Paulo. A cantora popular espantava o público erudito com seu brilho vocal. Em torno dela se reuniram então os grandes músicos da antiga. Cantou acompanhada por Pixinguinha e Cartola e, em 1965, lançou dois dos maiores êxitos de Nelson Cavaquinho: “Luz negra” e“A flor e o espinho” (1965, ambos no segundo volume da caixa). Em 1968, realizou no Teatro João Caetano o show que uniu Bossa Nova e Velha Guarda, ao lado de Jacob do Bandolim e conjunto Época de Ouro e o Zimbo Trio. Seu último álbum, lançado em 1988, relia Pixinguinha em motivos melódicos renovadores.
Operou em música uma síntese que até hoje os críticos e historiadores não logram fazê-lo. Morreu magoada por não ter mais espaço em rádio e televisão, e, por conseguinte, estar quase esquecida pelo público.
Quando morreu, a competência e a maturidade haviam saído de moda. Seu jeito de cantar não combinava com o pop dominante, tributário dos tropicalistas que, por sua vez, diziam rezar pelo hinário de João Gilberto. Muito crítico tende a rejeitar o vibrato que ela utilizava simples-
mente porque a Bossa Nova o aboliu, atribuindo-lhe um elemento passadista. A atitude dos seguidores de João, de cortar parte do vocabulário musical, foi estratégica. Atingiram, 1assim, a síntese de linguagem bossa-novista. O problema está em que passaram a legislar que a síntese era a tradução direta de um suposto bom gosto. O vibrato, o glissando, os ornamentos, a lírica neoparnasiana da seresta, a dinâmica contrastante das melodias, a marcha harmônica regular, todos esses aspectos primitivistas da música brasileira foram deixados de lado em nome da modernidade. Nessa faxina estética, Elisete dançou. Mas há traços em suas interpretações que sobrevivem à medida que a Bossa Nova se converte em paradigma do classicismo do pop brasileiro. O mais saliente deles está na segurança. Afinada e rigorosa, ela parece não se deixar dominar pelos dramas amorosos retratados em boa parte das canções que aborda. Mesmo quando a música é elaborada na forma do sujeito lírico, a voz de mezzo soprano levemente metálica atua como uma narradora em terceira pessoa. Conta a história, sem deixar de se
emocionar discretamente com o conteúdo. Não compartilha do engajamento emocional de uma Aracy de Almeida, Dalva ou Dolores Duran. Mas tampouco é afeita ao distanciamento irônico de Nora Ney e Marília Batista. Mantém um equilíbrio que o futuro recente viria a interpretar
falsamente como impostação. Além de tudo, exibia um vibrato sem exageros, emitido com objetividade. Queria ressaltar um verso, uma palavra e o conteúdo de uma tragédia qualquer. Não foi por outro motivo que Vinicius de Moraes manteve o contato artístico com a cantora, mesmo depois de passada a onda da Bossa Nova . Foi ela a ter lançado, por exemplo, a valsa “Pela luz dos olhos teus”, letra e música de Vinicius, em 1963 (gravação que consta do volume 2
da caixa da Copacabana).Como o poeta definiu na contracapa, estampada em manuscrito, de “Canção do Amor Demais”, Elisete significava para ele “uma voz particularmente afinada” capaz de dar conta de treze músicas, sambas e canções criados por ele e Tom Jobim tendo em vista
arranjos e melodias complexos e letras com densidade poética.
Vinicius chamava a atenção para o fato de ela possuir “o timbre popular mas podendo respirar acima do puramente popular, com um registro amplo e natural nos graves e agudos e, principalmente, uma voz experiente, com a pungência dos que amaram e sofreram,
crestada pela pátina da vida.”
O CD de 31 minutos surpreende a intérprete a fazer a travessia entre a velha e a nova música popular brasileira, entre o popular e o erudito. Elisete e Tom ensaiaram as canções na casa do músico, na rua Nascimento Silva, 107. O LP mostrou pela primeira vez, quando de seu lançamento, em abril de 1958, a batida sincopada do violonista João Gilberto (que não é citado nos créditos do LP nem no texto de Vinicius), um acompanhamento rítmico original logo apelidado de “bossa nova”. O violão aparece nos oito primeiros compassos do samba “Chega de saudade”, acompanhando sincopadamente o solo do trombone, por Ed Maciel. As cordas atacam em dramatização, surge a flauta de Copinha. Entra de Elisete com sua impostação e um certo bom humor que não fazia parte de seu vocabulário de músicas depressivas, conduzida pelo violão. O vocal intervém, a cargo de Tom, João e Walter Santos. Depois, arpejos das cordas, pausas e batucada. No intermezzo, sem a cantora, os trombones de Ed e Gaúcho dialogam com apoio da bateria de Juquinha, tudo comandado pelo violão harmônico-rítmico de João. Este participou de outras faixas: “Eu não existo sem você”, “Caminho de pedra”, “Luciana” e, o samba-canção “Outra vez”, sucesso de Dick Farney quatro anos antes. Nesta última música, especialmente, a pontuação sincopada do violão impõe sua presença, destacando-se da
bateria tocada com vassourinha e das cordas bem discretas. Elisete elimina os vibratos e interpreta na região grave de sua voz. Uma abordagem quase-Bossa Nova. Na reedição, a primeira em 40 anos, o CD vem com um texto do jornalista Ruy Castro, bem como
datas e instrumentistas que participaram da gravação. É um dos marcos iniciais da Bossa Nova e, como observa Castro, um dos primeiros “songbooks” feitos no Brasil. O disco teve tiragem de 2 mil exemplares, sem repercussão alguma, já que o selo, dirigido pelo jornalista Irineu
Garcia, era patrocinado pelo Itamaraty e não tinha fins comerciais. Diz a lenda que João não participou de outras faixas do disco porque não gostava do jeito sério de interpretar típico de Elisete. Seja como for, deu-se uma metamorfose na cantora depois da experiência ao lado de
Tom, João e Vinicius. Ela passou a cantar de maneira diferente, sobretudo na articulação das palavras. O “r” forte e o “l” da pronúncia oficial cantada deram lugar, respectivamente, à guturalidade acariocada e à vocalização da consoante.
O fato pode ser observado na coleção da RGE, organizada e comentada com alta competência pelo jornalista e crítico Egídio Grandinetti Jr. As 79 faixas trazem em sua maior parte canções lançadas pela cantora. As gravadas antes de 1958, como “Noturno” (Custódio Mesquita-Evaldo Ruy), de 1957, e “Prece” (Vadico-Marino Pinto), exibem as características tradicionais. Elementos bossa-novistas se fazem sentir em 1962 no belo “Samba triste” (Baden Powell-Billy Blanco). Elisete se revela “cool”. Em “Minhas madrugadas”, de 1965, um das primeiras músicas de Paulinho da Viola a ter sido gravado, a técnica parece ter virado ao avesso do que Elisete havia concebido no início da carreira, e canta como uma Nara Leão dotada de experiência.
Nessa altura, cabe especular sobre quem é maior cantora nacional de todos os tempos. Por mais arbitrário que tal julgamento possa soar, o nome de Elisete não deve ser refugado de um possível rol de concorrentes. Se toda interpretação trai o ar de família de uma época, a qualidade do timbre de Elisete é trans-histórica. Tem um pouco da tessitura de Carmen Barbosa, um outro tanto do ponto de articulação de Marisa Monte. Elis Regina não teria existido sem seu concurso.
Os picos da glória intermitente que lhes foram destinados só dependem do nível de preconceito musical que afeta o público em determinado momento. Quando a história a esquece, pior para a história. Elisete nada perde. Ela tende a retornar, independentemente do gosto em vigor. A pátina da vida e da arte cinzelaram sua voz entre os clássicos da música brasileira.

Clubbers toda vida

As voltas que o pop dá. O quinteto Scissors Sisters surgiu e, 2001 no berço clubber gay de Nova York e Gravou seu primeiro CD em 2004 por um selo alternativo. Mesmo assim, o trabalho chegou aos primeiros lugares no grande circuito do sucesso da Inglaterra e da Irlanda. O som que mistura com humor disco music, electroclash e outros subgêneros das pistas marcou o revival do erotismo e do espalhafato no mundinho clubber. Seu novo CD, Tah Dah, sai agora por um selo grande (Universal), já está nas cabeças na Grâ-Bretanha – e só falta bombar nas pistas nova-iorquinas. Desta vez, o vocalista e compositora Jake Shears e amigos mesclam sons mais cabeças de David Bowie e Bee Gees, entre outras. A melhor faixa abre o disco, “I Don’t Feel Like Dancin”, que, ironicamente, é a mais dançante do disco. Sacuda o esqueleto.